quarta-feira, 3 de junho de 2009

SEM PALAVRAS

Crônica de Eliana Pace

Acordo cedo, a mente não me permite continuar dormindo depois das 8 horas da manhã, mesmo que chova a canivete. Bocejo, me espreguiço, faço uma breve sessão de alongamento e pulo da cama. Ligo o rádio enquanto preparo o café e a noticia me prostra: um avião repleto de passageiros caiu no Oceano Atlântico. Não há possibilidade de sobreviventes. Viro uma estátua. Não sei se aumento ou reduzo o volume do rádio, se contenho as lágrimas que insistem em brotar dos meus olhos, se embarco nos sonhos que levavam aqueles homens, mulheres e crianças à Europa, se abençôo o fato de estar quietinha em casa, se amaldiçôo os deuses por encurtarem tantas vidas. A melancolia me invade, vai continuar a meu lado horas a fio, um olho no computador, o ouvido na televisão.

Leio que um casal estava seguindo em lua de mel para a França. Saíram da festa de casamento praticamente para o embarque. Seus sonhos foram parar no fundo do mar. Sinto-me uma idiota por não ter acreditado nunca no amor, por ter deixado passar tantas emoções, por não embarcar de armas e bagagens em nenhuma delas como devem ter feito o rapaz, a moça. Choro por eles que se amavam.

Um grupo de executivos de sucesso voltava para Paris depois de ganhar quatro dias de férias no Rio de Janeiro, com direito a acompanhante. Tinha se extasiado com a cidade, naturalmente. Levavam em suas câmeras ou celulares imagens do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar, de um show de mulatas. Lembro que também eu fui uma profissional de sucesso que, a exemplo deles, curtiu o merecimento de sua competência com uma viagem de sonho. Choro por eles que foram levados por um raio ingrato, uma pane, uma bomba, quem sabe, antes de poderem mostrar aos colegas os rostos felizes.

Uma família gaúcha, feita de profissionais muito bem sucedidos, cada um em sua área, ia festejar os bons tempos em um tour pela França, Grécia, Alemanha. Sabe-se lá quantas peripécias para esvaziar uma agenda feita de consultas, cirurgias. Recordo as vezes em que fiz da minha vida em família um circo. Em que lotei tanto minha agenda com compromissos supérfluos só para fugir de carinhos e cobranças afetivas. Choro pela família que continuará unida no fundo do mar.

E choro compulsivamente pelo fedelho que resolve brincar de ser piloto de Formula 1 numa rua qualquer da periferia de São Paulo. E que na mesma madrugada em que um avião cai no mar levando tantas vidas, arremessa seu carro, qual uma bola de boliche, sobre um grupo de jovens que ri depois de uma noitada, deixando mortos, na calçada, dois rapazes.

3 comentários:

  1. ELIANA estou sem palavras depois de ler sua crônica, desculpe a redundância, "SEM PALAVRAS".
    Senti um grande aperto no coração também, depois de um final de semana com compromissos e indisposições, li esta notícia e fiquei entristecida pelo acontecido. Principalmente pelas famílias dos passageiros do vôo. O desaparecimento do avião aconteceu justamente em um lugar que me assusta, nas profundezas do mar.
    Parabéns pelo texto, ficou lindo e emocionante.
    beijos...

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  2. Eliana,
    lindo o seu texto, me emocionou.
    Também estou impactada com a constatação da finitude de nossas vidas. Com as tragédias e violências que levam a nos depararmos com o que fizemos ou o que não fizemos, como você tão bem expresso.
    Um beijo,
    Ana Lucia

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  3. Eliana querida,
    Seu texto é porta-voz de nossas emoções diante de mais uma trajédia. Gostei muito das reflexões e costuras que fez levantando os relatos de vida de alguns passageiros e trazendo para a experiência do narrador. Belíssimo!
    Muito obrigada e Parabéns!!!
    Beijos,
    Fabiana.

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