quarta-feira, 31 de março de 2010

AGONIA

(Conto com as palavras: jibóia, Afeganistão, penumbra, papo de anjo, contra-senso, álibi, sacrilégio, destilar)

Estava ele recostado em sua cadeira, lendo o livro em voz alta, tão compenetrado que não parava nem para tomar fôlego.
Contava a história sobre o Afeganistão, um país tão distante que nem sei onde fica.
Eu ouvia desatenciosamente suas histórias.
Ele contava da guerra civil gerada naquele país, das intervenções estrangeiras como a invasão soviética, e como os talibãs se apropriaram de sua maior parte.
Que o país sofre com a seca e que o fornecimento de água doce era limitado.
Falou que o Afeganistão é um país montanhoso, que tem clima continental, com verões quentes e invernos frios. Que é frequentemente abalado por sismos.
Eu aqui ouvindo e observando seus gestos, o farfalhar daquele livro parecendo me conduzir a um espaço sem fim, a penumbra daquela sala, sua voz rouca e sufocada confabulando com a minha mente, feito uma jibóia a digerir o animal alvo do ataque. Meu corpo se enrolando à volta desse enredo, gotejando, tal qual o vinho a destilar.
Na minha imaginação, eu apertava essa angustia como uma presa, para esta libertar o ar dos seus pulmões. Sufocá-la assim até sua morte, exatamente como fazem essas serpentes.
Eu não estava suportando aquela situação, não queria ouvir aquela historia.
Nem observá-lo, com seus gestos tão robotizados.
Estou aqui atônito, frente a frente com este homem que conheço tão bem.
Que me fazia carinhos e satisfazia os meus desejos de criança.
Lembro dele me contando histórias tão lindas que eu viajava com os meus heróis.
Saí procurando em minha memória os momentos bons que havia passado ao seu lado e ao lado de minha família.
As festas e reuniões aconteciam em sua casa, que tinha um quintal muito grande. Eu e meus primos estávamos sempre aprontando algumas travessuras.
Muitas vezes, os safados de meus primos aprontavam e colocavam a culpa em mim. Eu então precisava ter um álibi e como uma das minhas primas tinha certa queda pela minha pessoa, eu a convencia a confirmar minha tese de que o culpado não era eu.
Minha avó, minha mãe e minhas tias ficavam na cozinha fazendo comidas deliciosas e colocavam todas aquelas guloseimas na mesa de jantar. Bolo, suco, frutas, café, chá, leite, pão, carne assada.
Hum! Só de pensar me enche a boca de água. Tinha também um doce que era feito com gemas de ovos, que depois de assado era mergulhado na calda de açúcar. Esse doce era chamado de papo de anjo. Ah! Como aquilo era bom, parecia que em minha volta havia uma legião de anjos cantando.
Agora me encontro com ele aqui dentro deste quarto, tão frio, tão sem vida, parecendo um quadro de natureza morta, onde ele fica contando a guerra e os costumes de um país tão distante, que nem sei se está entendendo o que lê.
Como é duro, como é pesado ver o meu avô vegetando. Foi um homem tão culto, um advogado brilhante. Para mim é um contra senso vê-lo nesta condição de letargia, fere muito meu coração. Ás vezes me revolta a situação, cometo até um sacrilégio e maldigo tudo quanto é sagrado, digo que não creio em nenhuma religião.
Parece que meu avô entendeu o meu sofrimento porque me chamou para junto dele, estendeu a sua mão e olhando fixo nos meus olhos, escancarou um sorriso maroto, como a dizer: Não tema, pois irei muito além do que você acredita.
Percebi então que era meu divagar que limitava seu viver.
(Vera Lucia de Araujo Rodrigues)

OS HOMENS SEM PÉS

(Conto com as palavras: jibóia, Afeganistão, penumbra, papo de anjo, contra-senso, álibi, sacrilégio, destilar)

Calixto pouco falava. Mais ouvia. Quando se envolvia em conversa, ia logo dizendo que não dava palpite na roda porque não era homem para variações. Com ele tinha de ser direto e reto. Não gostava de temas que envolvessem futebol e essas coisas do dia a dia das cidades. Homem do campo fora acostumado aos movimentos da natureza bruta, chuva no lombo e sol inclemente na cabeça, não havia tempestade nem tão pouco vento forte que o fizesse largar o trabalho.
Não fosse um estranho hábito, e até certo contra-senso com a postura que demonstrava em público, Calixto seria como a maioria dos seus companheiros de mesa e copo que, como ele, passado dos oitenta, retirado da vida laboral, alimentava esperanças de um dia ganhar na loteria e poder comprar amor, atenção e o respeito dos familiares para raros anseios e sonhos modestos.
Nada de muito extravagante, o costume que tomara conta de Calixto e, até certo ponto, criara um álibi para sair às noites de quinta, era o de contar histórias para crianças de um orfanato lá pelos lados da Vila Guarani. Os pequenos internos ficavam inquietos e excitados quando a noite de quinta-feira se aproximava. Naquele dia, chovesse canivete, lá estava Calixto pontualmente, às oito da noite, para conduzir as crianças dos quatro aos doze anos a uma viagem de sonho, fora dos limites estreitos dos muros do abrigo e, principalmente, dos cantos escuros do desamparo e da solidão.
Calixto não elaborava seus contos com antecedência. Ao contrário, criava parte do enredo no caminho para a reunião e lá, no meio da molecada, aos poucos, montava o cenário e os personagens que, por mágica, tomavam forma e ganhavam locais, nomes e os tipos que ambientariam a história da noite.
Aquela quinta não foi diferente. Caminho tomado, passo calmo, concentração ativa, e as imagens a pulular em sua mente como se saltassem de uma caixa mágica. Cores, cheiros, tamanhos, olhos, cabeças, com e sem cabelos, caras limpas, dormidas, acesas, alegres, tristes, pintadas, castelos, cavaleiros, dragões, serpentes jibóias enormes, e, por fim, o enredo. Este sim, criado por último, acolhia todo aquele caleidoscópio com paisagens e lugares que iam se juntando para formar um espetáculo igual aos montados por atores mambembes: chão limpo, palco levantado, lona estendida e a cortina, que, aos poucos, ao abrir e fechar dá a dinâmica das cenas e dos personagens.
Calixto caminhava na parte final do trajeto que o separava da creche. Exatos quatro últimos quarteirões, os mais escuros pela ausência sistemática da iluminação pública. No trecho ficava a maior praça do bairro. Toda em desnível para encanto dos que se deixam alumbrar pela mistura do real e do imaginário, e denso bosque com muitas árvores e arbustos. Ali conviviam paineiras, ipês, patas de vaca, amoreiras, embaúbas, pitangueiras e damas da noite, todas cercadas por canteiros circulares e passarelas estreitas. À noite, na penumbra, imaginava Calixto ser o local mágico apropriado para que os entes da natureza deixassem a vida interior e conviverem, à distância, com os humanos. Não com todos, somente com aqueles cuja sensibilidade é por eles percebida por meio de uma qualidade muito própria: a de estarem ainda próximos do ato criador original.
Estaria Calixto cometendo sacrilégio ao trabalhar com esta visão fantástica?
O transitar naquele espaço deu o mote para a conversa da noite. E não foi diferente. Metido na mistura mágica de pensamento e ação, Calixto sentiu que alguém o observava entre os arbustos. Parou, firmou os olhos e ficou com a impressão de ter visto dois meninos muito pequenos, tão clarinhos que refletiam a luz da lua. A impressão riscou sua mente como um relâmpago, tão bem construída, que um detalhe fixou em sua retina: as crianças não tinham pés! Isto mesmo, sem os pés! No mesmo instante passou por sua mente a questão: nasceram assim ou foram vítimas de algum evento sinistro? Pensou nos mutilados do Afeganistão, inocentes colhidos pelos efeitos dos atos de ódio e violência. Afastou a imagem ruim e passou a construir a trama de um conto feliz.
Aturdido com a visão ou quase visão, seguiu seu rumo. Espantado por um lado e feliz por outro, o tema da noite estava escolhido: A praça dos homens sem pés.
Reuniu as crianças como de costume e começou a lhes falar sobre o mundo fantástico dos sem-pés.
Transcorreu sobre o parentesco dos sem-pés com os duendes e gnomos; como se formavam as suas famílias, das atribuições de guardiões das raízes das árvores seculares, para delas extrair e destilar a seiva que os alimentava; do gosto pelo doce papo de anjo; do amor pela natureza e por tudo que o Criador colocou sobre a face da terra.
Disse também sobre a infância, juventude e velhice dos sem-pés, sua relação com os humanos e da fórmula mágica que eles inventaram para ficarem visíveis às crianças. Nesse ponto, já no fim da história, Calixto foi interpelado por Guto, menino vivo, agitado, que lhe perguntou: - De que era feita a fórmula mágica? Calixto parou, tomou fôlego, e repetiu, de pronto, que a fórmula da poção maravilhosa estava muito bem guardada no centro da terra e não fora revelada para ele porém, seu neto, Eduardo, que sonhara com os sem-pés, dissera que apenas um dos componentes da poção poderia ser revelado: uma farinha muito fina e comestível, o nome revelaria na próxima quinta.
Encerrado o conto da noite, um alvoroço total se instalou no ambiente. A meninada alegre e barulhenta pedia insistentemente para Calixto antecipar a continuação da história. Foi difícil, mas Calixto resistiu. Após as despedidas e a promessa de voltar, despediu-se e seguiu contente pensando na próxima quinta.
Ao passar novamente pela praça mágica ficou a refletir: como justificar para os seus pequenos ouvintes o fato de alguém andar sem os pés...?
(José Augusto Bertelli)

DEUS É JUSTO

(conto com as palavras: jibóia, Afeganistão, penumbra, papo de anjo, contra-senso, álibi, sacrilégio, destilar).

Que eu não cometa nenhum sacrilégio ao tentar fazer das palavras o itinerário da minha chegada do Afeganistão à fazenda de meu avô.
O dia estava morrento! Calor à beça. Poeira, quanta poeira
Durante todo o trajeto até a porteira, o pó teimava em pairar na paisagem. Isso pelos menos ajustou um colorido à parte na linha do horizonte, na hora do sol poente.
A família me esperava reunida. Tinham caprichado na recepção dessa ilustre figura que vinha de longe. Contavam-se sobre a mesa todos os meus gostos mais recônditos da gastronomia, a torta de limão, receita de minha avó, até os papos de anjo bem feitinhos, mergulhados na calda cheirosa de caramelo com canela. Hum que delícia!
Vinha pelo trajeto pensando nisso; que gostoso voltar, que saudade!
Quando Tião estacionou o carro que nos transportou do aeroporto até ali, parou sob o frescor das árvores, abri a carro e ao colocar um pé para fora, eis que tomei uma picada! A danada estava ali, na espreita de um pé. Foi o meu...
Corre corre geral.
Eu gritava de dor, e que dor.
Logo veio Tião a laçar em torniquete minha perna para estancar a passagem do sangue. Pauladas acabaram com a tal da jibóia. Nesse instante destilei através do que via um sabor de vingança.
Fui levada para dentro de casa, não podia me mover, não devia, se me mexesse, espalhava o veneno. Me deram uma cachaça. Tomei. Bebi mais um pouquinho...
Logo estava numa penumbra, entre a picada da cobra, o pó da estrada, papos de anjo, Afeganistão e uma gritaria confusa.
Todos os itens dentro de mim criavam um sentido estranho de realidade. O veneno me alterou.
Dormi algumas horas até que Dr. Augusto chegou. Enquanto isso a festa fora suspensa, Aguardando que tudo se alinhasse, aliviasse, para podermos finalmente nos abraçarmos calorosamente.
Quando sarei, decidi que não era contra senso, não era pecado jogar na alminha daquela cobra, fiz o jogo do bicho.
Não deu outra!
Deu cobra!
Ganhei!
(Anita Bueno de Araujo).

quinta-feira, 25 de março de 2010

LABORATÓRIO DO ESCRITOR - AULA DE 3 (20/03/10)

CRÔNICA VS CONTO

CRÔNICA - É um comentário sobre um acontecimento real, preferencialmente diário.
É o acontecimento diário sob a visão criativa do escritor.
Quando a crônica entra no terreno do imaginário, vira conto.
TODOS SOMOS CONTADORES DE HISTÓRIAS. A diferença é que nós vamos usar como instrumento a narrativa impressa, o registro inscrito.
Já falamos sobre as idéias, de onde surgem. Que elas pairam no ar, no cotidiano, nos jornais. Quanto mais antenados, maior o repertório e as possibilidades. Daí a importância de anotarmos as idéias.

E O QUE É O CONTO?
São pequenas histórias que relatam e narram uma história verídica ou lenda.
É uma narrativa imaginária que envolve fantasia.
Narrativa real é a que envolve biografias, ensaios, textos históricos, grandes reportagens.
O conto é, pois, uma ficção com unidade de tempo, espaço e ação. Conto possui= Uma ação /Um lugar /Um tempo /Um tom.
É uma narrativa pequena que vai direto ao assunto. O conto contém apenas um único drama, um só conflito. Esse drama único pode ser chamado de "célula dramática".
O conto é um relâmpago na vida dos personagens. Não importa muito seu passado, nem seu futuro.
O conto clássico tem princípio, meio e fim. Um conto robusto pode ter cerca de 100 linhas e no máximo 200 linhas.

MILTON HATOUM – É um escritor brasileiro contemporâneo premiado que começou a escrever romances. Seu primeiro livro de contos acaba de ser lançado.
Ele diz que o Conto é mais denso. Deve ser breve e denso. É como uma fotografia que extrapola da moldura. É um recorte, um fragmento da realidade.

TCHECOV, o grande escritor russo, ia mais além: “Ao escrever um conto, quase que suprima o começo e o fim e fique com o miolo”.

CADA CONTADOR TEM UM JEITO DE ESCREVER. Há os que ficam possuídos e há o artesão, que borda um texto, refaz. Cada um vai descobrir o seu caminho, mas o processo de escrita é doloroso sempre.
Há um caminho para começar a escrever: idéia, sinopse. Toda história implica em uma estrutura.

CONTISTAS:
Julio Cortazar;
Jorge Luiz Borges;
Clarice Lispector;
Machado de Assis;
Tchecov

quarta-feira, 24 de março de 2010

Sinal verde, atravessei o sol

Sinal verde, atravessei o sol.
Assim me fiz atriz.
Fui descobrindo paisagens que às vezes me deixava cansada; não desistia de encontrar o canto onde a calma estava.
Deixei tudo, contas, endereços, nomes, amores. Ah!os amores. Alguns vieram comigo, impossível largá-los, mesmo assim os guardei em vãos escondidos.
Saí sem destino, há muito desejava isso.
Em alguns momentos, a luz me cegou, me confundiu, me perdi ,me achei.
Caleidoscópio de sensações e emoções fizeram desenhos em minha alma.
Delirei,adorei,quase morri.
Sempre descobri novos olhares.
Mergulhei fundo em cada personagem; esses me fizeram velha, menina, homem, mulher.
Sempre fui secundária para meus habitantes. E tive que me despir para dormir, descansar, quando as luzes do palco já tinham sido apagadas.
Atuar muitas vezes era inventar e dizer a minha verdade sem me perder no personagem.
Às vezes começava, nem sempre pelo começo.
Cada fala, cada tom, cada gesto se contradiziam em mim, pois buscava uma verdade que nem sempre foi a minha; precisei viver o outro sem sê-lo.
Era como se eu entrasse na sala dos segredos de alguém e fosse abrindo caixinhas que me diziam coisas.
Com o tempo gostei do mergulho na alma do outro.
Tornou-se vocação trazer coisas das caixinhas e exprimi-las.
Meu corpo tornou-se revolver.
Cada um que me habitou eu amei, eu odiei, me fiz assim humana.
(Anita Bueno)

Sinal verde atravessei pra lá do sol

Sinal verde atravessei pra lá do sol pensando que o dia inaugurou com uma sucessão de sinais amarelos pedindo a minha atenção...
A começar pela minha distração esquecendo aqueles documentos tão importantes. Onde ando com a cabeça? Isso é que dá fazer tudo correndo. Culpa da modernidade que exige que façamos mil coisas ao mesmo tempo. E não adianta querer espichar o tempo, ele tem presença determinante. Recuo por alguns instantes e decido: voltarei para pegar os documentos esquecidos.
Volto correndo ao prédio onde moro, o portão automático nem sempre funciona e tenho que chamar Alberto, o porteiro. O nervosismo e a pressa que tomam conta de mim fazem dos minutos eternidade. A calma de Alberto me irrita. Estava a ponto de chutar o portão. Foi quando parei. O que eu estava fazendo comigo? Já não me conhecia mais. Aquela pessoa irritada e nervosa não era eu. Onde eu estava na verdade?
Acho que estou conseguindo pelo menos parar e pensar antes de tomar atitude mais agressiva. Porque essa postura não condiz com a minha pessoa. Então parei, respirei, olhei para o sol daquela manhã e me lavei no suor do corpo. Percebi que num único dia o meu semáforo interno oscilou do verde ao amarelo várias vezes, estacionando no vermelho e sinalizando a minha aceleração. Me sinto como uma avenida movimentada na “hora do rush” – paciência curta, tumultuada e se não der um freio entro em rota de colisão...
A noite enfim chegou e a lua serena adornando o céu me lembra que é hora de desacelerar e dar sinal verde para o descanso. Até amanhã!
(Adriana Bispo de Araujo)

Sinal verde atravessei pra lá do sol

Sinal verde atravessei pra lá do sol festejando o fim de semana que se aproxima e todas as possibilidades de conectar com os prazeres que adoçam o meu paladar para a vida.
A dupla sábado e domingo é muito bem-vinda para a maioria de nós. Aguardada com entusiasmo. Sinônimo de relax, da mescla do compromisso com o descompromisso, de cardápio diferenciado, de filme novo em cartaz, de encontro com os afetos e de recarga nas nossas baterias. Se há problemas a resolver, estamos de folga e a cabeça arejada parece funcionar melhor.
De minha parte, gosto de esquecer o relógio, aliás, há muito o libertei do meu pulso e sigo um tempo mais interno. O maior luxo do mundo contemporâneo é o tempo livre! Ter liberdade de dispor desse tempo sem pressa e sem pressão é a cara do fim de semana.
Acordar quando o corpo pede, sem despertador, livre de atropelos. O espreguiçar é o primeiro exercício do dia. Muito e demoradamente. Sentindo cada parte do corpo bem viva e pulsando.
Depois se conjuga o verbo agradecer. Por mais um dia, pela saúde, pela casa aconchegante, pelo par que escolhemos para dividir a caminhada, e claro, os lençóis. Agradecer sobretudo pela oportunidade de estarmos neste mundo vivendo, aprendendo, evoluindo. Uns chamam esse ritual de meditação, outros de oração. Para mim é o momento de conexão com Deus e com o meu dedicado anjo da guarda.
Café no capricho, banho digno de SPA, música alto astral, roupas mais coloridas, sapatos bem confortáveis e lá vou eu para a rua, sem bússola ou com ela bem sintonizada com os desejos. Os sentidos ficam mais sensíveis à beleza que me rodeia, que está ali todos os dias mas a gente não para pra olhar. Caminho convencida de que é na simplicidade das coisas que mora o prazer.
Aprendo que, na verdade, é bem possível transformar os finais de semana em ‘mini férias’ e transportar para os dias cotidianos uma dose desse espírito leve que nos visita aos sábados, domingos e feriados.
(Adriana Bispo de Araujo)

Exercício coletivo - Palavra "areia"

Ela arruma o cabelo, calça os sapatos e sai ao encontro das amigas. O combinado era que se encontrariam na frente do shopping para então seguirem rumo ao Litoral Norte. Programinha básico: balada seguida de praia. Não queria mais nada da vida. Não via a hora de pisar na areia e ver o sol nascer depois de dançar a noite toda.
Grupo formado, carro revisado, tanque cheio e lá foram para a Rio-Santos.Dia calmo ,sol e brisa suave.O dia prometia.Sem aviso,Laura começa a soluçar e aos prantos vai logo avisando que o fim de semana para ela já estragou.Não tinha jeito.
O fim de seu relacionamento com Paulo, namorado de dois anos ou mais, tinha lhe tirado o chão. Pensou que rever as amigas seria uma boa idéia, mas de nada estavam adiantando as risadas e brincadeiras que antes lhe eram tão prazerosas.
Trancar-se em casa também não era solução. Talvez sua mãe estivesse mesmo certa, o melhor seria viver esse tal de luto. Chorar tudo que tiver que chorar, mas também sacudir a tristeza e distrair-se com outros cenários. E nada melhor como novos personagens para recriar a história.
Desceram do carro na 1ª parada e entraram na lanchonete. Já estavam pagando suas contas quando um rapaz maltrapilho se aproximou.
Laura subitamente fixou seu olhar naquele rapaz que, embora mal vestido, tinha um semblante que a deixou paralisada. Por algum tempo Paulo saiu de sua mente.
Tudo que importava agora era continuar a olhar aquele rosto e a apreensão com sua chegada era, a cada segundo, mais amedrontadora.Afunda em si mesma quando a linda voz diz: “Moça,o Ford vermelho estacionado no fundo da lanchonete é seu?”
Laura balança a cabeça sem nada dizer, mas a expressão em seu rosto entregava que sentia muito medo do que viria a seguir: “Então, moça, o pessoal do outro carro esvaziou dois pneus... Pediram para entregar este bilhete”.
Sem acreditar no que lia, a única coisa que lhe vinha à mente era a maldita frase que dizia que nada está tão ruim que não possa piorar.Devia ser praga do Paulo. Ela só queria curtir com as amigas, esquecer seus problemas.
O bilhete dizia: “Na próxima vez que for roubar a vaga de alguém, pense duas vezes,sua vaca!”
De fato, quando chegaram à lanchonete só havia uma vaga no estacionamento e elas haviam notado um outro carro esperando, mas acharam que seria divertido transgredir um pouco.
Enfim, sem balada, sem praia, as meninas tiveram que passar a madrugada esperando o guincho e contando com a esperança de um dia poderem rir de tudo isto. Laura havia mesmo dito que o fim de semana já tinha estragado.

Sinal verde, atravessei pra lá do sol

Os versos da canção ouvida no rádio de algum vizinho me remetem a um tempo, a uma lembrança de quando cheguei àquela casa.Hoje estou me despedindo dela .Passei bons momentos aqui. Casei-me, criei meus filhos e ainda posso ouvir seus risos e gritos por estes corredores.
A música continua ao longe mas não estou mais presa aos seus versos. É forte a impressão que me causam aqueles cômodos agora vazios, aquelas paredes amigas que ainda conservam as marcas que eu mesma fiz ao colocar um quadro e depois um espelho. Vou deslizando minhas mãos pela parede fria. Quero guardar na memória esta sensação. A casa da minha infância, a casa de meus pais e depois minha.
Quero poder agradecer pois ela, ao longo do anos, deixou de ser apenas uma construção boa e sólida e passou a fazer parte da família, o palco da nossa história. Despeço-me dela, de seu chão de madeira corrida, de suas janelas brancas e altas e daquele quintal. Vou-me embora, vou pra longe, vou ganhar mundo, como dizia meu pai. Adeus minha casa querida, meu lar, vou agora pra lá do sol.
(Cláudia Del Pintor)

Que a Bossa seja nova

Sinal verde. Atravessei pra lá do sol... “Saudade FM! Você ouviu Pernas, de Sérgio Ricardo, com o oferecimento do fixador de dentaduras...”.
Não sou muito fã de Bossa Nova e tão pouco sinto saudade de uma época que não vivi, mas tentando sintonizar o rádio do carro, Bossa foi o que restou dadas as outras opções: “No rebolation,tion,tion...” “Quase de manhã e ainda não dormi,fiquei bebendo até cair...” “Gaga uh lá lá...”
Fico pensando o que será que os compositores na época tomavam para escreverem sobre um par de pernas que entra num conversível, o patinho qüem, qüem ou o barquinho que vai e vem.
Deve ser normal que nosso gosto musical se altere com o passar dos anos e tão normal quanto a mudança de gosto é o choque cultural entre gerações quando o assunto é música.
Se tivesse um filho adolescente hoje, não saberia o que é pior: um filho “Emo” que se veste de forma andrógena ou uma filha rebolando até o chão ao som de uma música que enaltece a promiscuidade sem fim, a exemplo da professora que foi filmada dançando o tal de “enfiadinho”... Argh!
Pode ser que daqui a 15 anos, quando minha filha for de fato adolescente ,as coisas não estejam tão ruins.
No final das contas, fico na esperança de que a Bossa volte a ser moda e minha filha se dê por contente em balançar ao som ingênuo do barquinho que vai enquanto a tardinha cai.
(Daniela Marino)

terça-feira, 23 de março de 2010

Busca

Sinal verde. Atravessei pra lá do sol.
Procurando loucamente fugir daquela luz que queimava meu rosto.
Sentindo a brisa forte que vinha até mim enquanto dirigia minha moto.
Gosto mesmo é de correr, passar adiante, romper o silêncio, ganho o mundo rápido.
Nem observo o mundo a minha volta, entro no meu mundo interior e acelero para desafiar todo o mal estar que me consome.
São diferentes rotas de fuga e até o meu ofício combina com o meu momento atual. Correr, voar, acelerar – verbos que conjugo no tempo da pressa e da pressão.
Ser piloto de prova foi uma forma de ganhar dinheiro fazendo o que eu amo.
Quem diria que um motoboy chegaria tão longe?
Não desisto, pois conheço tanta gente que chegou “lá”. Fiz tantas viagens interiores, mas é a vida prática, pragmática está indicando qual a direção seguir.
Logo vou fechar um contrato que vai me garantir uma boa remuneração por pelo menos dois anos.
Mas quer saber? Mesmo que não fosse assim eu continuaria a correr. Claro que dinheiro é bem vindo, mas pilotar é minha vida. Continuarei a buscar essa linha de chegada invisível que nem ao menos sei onde está. Continuarei a buscar aquilo que ainda não vejo com meus olhos, só sinto em minha alma. Pois sei que existe um lugar além do tempo onde mora o que todos sonhamos encontrar.
(Daniel Rodrigues Salgado)

Metamorfose

Sinal verde. Atravessei pra lá do sol.
Deixei pra trás mais um dia caminhando nesse calçadão com a maresia que toma todo o ar a minha volta.
Sobre minha cabeça uma metamorfose acontece enquanto o sol baixa timidamente a minhas costas levando consigo o calor de seus raios dando lugar à lua que subia imponente mais uma vez.
Ao meu redor as luzes artificiais começam a iluminar a cidade como uma miríade de estrelas no manto escuro do céu.
Lembrei-me dos antigos gregos que diziam que a deusa Nix atravessava os céus em uma carruagem conduzida por cavalos voadores e arrastando atrás de si presa em seu longo manto a noite que tomava conta dia. Peguei-me tentando imaginar a cena.
Que belo fim de tarde aquele.
Respirei fundo e continuei minha caminhada.
Passei lentamente por pessoas que de tão atordoadas em seus problemas não conseguiam ver a magnífica mudança sobre nós. Eu achava engraçado como pessoas passavam por lugares como aquele, sem ao menos notar o que há à sua volta.
É como se o ser humano se fechasse nele mesmo, e por mais que queira perceber, não consegue se desligar dos problemas do seu dia a dia e não notam o que está ao redor.
Enquanto seguia fui reparando nas pessoas. Do meu lado um casal discutia pelo atraso da mulher em se arrumar e que chegariam atrasados a algum encontro. Mais a frente um carro estacionado estava com as portas abertas e uma musica muito alta incomodava a quem passava enquanto jovens debatiam fervorosamente para onde eles iriam naquela noite. Precisavam exibir o novo som do carro.
Num ponto de ônibus um trabalhador reclamava sozinho do trabalho e do atraso do ônibus, pois ele estava perdendo o jogo na TV. “Deus, que problema” pensei.
Ninguém notara a metamorfose daquela tarde.
O mais engraçado é que somos iguais, estamos sempre mudando. Mudamos quando somos criança depois a difícil metamorfose da adolescência, mudamos quando somos adultos, casamos e quando envelhecemos voltamos a ser crianças. Mas se mal notamos nossas mudanças quem dirá a do mundo a nossa volta.
Balancei a cabeça afastando os pensamentos e voltei a andar.
Parei então um pouco mais a frente e voltei a mirar o céu. O sol terminava de se esconder atrás dos morros, e pouco tempo depois a lua já alta criava um caminho prateado nas escuras águas do mar.
Mais um ciclo daquele dia terminou. O dia deu lugar a noite. A metamorfose estava completa.
(Daniel Rodrigues Salgado)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sinal verde: atravessei prá lá do sol

Não me preocupei se iria morrer ou me perder para sempre. Fui em frente.
Fechei os olhos e me lancei naquela visão...
São tantos os sinais: multicoloridos, diferentes fontes e formatos. A dimensão do sonho mais uma vez me toma de assalto. A paixão faz isso com a gente.
Vira-se adolescente, as cores ficam intensas, carregadas de tons brilhantes. E assim, no afã de manter vivo esse momento único, a gente acaba se perdendo.
Um simples atravessar de um semáforo com a luz do sol de frente, como um flash, acaba nos tornando românticos. Parecemos bobos!
E não tem o que fazer, somos surpreendidos, não há planejamento nas questões do coração, seus caminhos são desconhecidos pela nossa razão dialética, empírica, patética, e mais sei lá o quê...!
Aquele dia se iniciara de maneira inusitada e nada parecia fazer sentido.
Só restava esperar como aquele dia único iria terminar.
Sossega coração! Dá um tempo!Descansa dos amores impossíveis! Bate, bate forte, fica aí no seu compasso, só bate, espera um novo dia, o sol de frente e outro sinal verde qualquer.

José Augusto Bertelli

sexta-feira, 19 de março de 2010

Maré

Todo dia o mesmo caminho: Canal 4 até a praia. No trajeto, o primeiro café da Santista, diferente dos demais, coado no orvalho, como dizem os apreciadores. Sempre pontual e tranquila, segue rumo às lanchas para o Guarujá.
Aquela terça-feira não é diferente, exceto pela ausência das gaivotas nos contrafortes da avenida. Estavam mais distantes, ciscando rente à maré, entre mariscos e pequenos caranguejos, a refeição do dia.
Caminhava como quem conhecia cada calçada, cada vão e viela. Poderia andar de olhos fechados e saberia exatamente as cores do dia.
Mas essa terça guardava uma surpresa a modificar não só o ritmo da sua caminhada e as cores da sua paisagem. Alterava subitamente o pulsar do seu coração. Lá estava ela, caminhando ao seu encontro, tantos anos depois.
Não havia necessidade de puxar pela memória. Seu rosto tinha povoado seus sonhos por toda uma vida. Seu corpo contava, nas linhas que a vida imprimiu, a trajetória de mãe de tantos filhos, nove entre os vivos e os mortos, mas isso só lhe dava mais graça.
O espaço que separava suas direções tornou-se eterno para ela. Segundos decisivos. Seria reconhecida? Gostaria de ter sua terça alterada? O tempo parece deslizar enquanto ela se aproxima.
Coração a mil e simplesmente não sabe o que fazer. E se não se lembrar?
A aproximação inesperada, excitante e dolorida, transforma aquela manhã num mar de emoções tão fortes que a faz antever a mãe que o tempo levara tão longe. Aguardou o encontro, estática, rente ao meio fio, e, de braços abertos, se preparou para segurar sua Santinha. Fechou os olhos, sentiu a brisa e o cheiro da manhã e assim ficou por muito tempo. Quando os abriu, viu que o encontro ficara para uma outra vez, quem sabe numa outra terça-feira. A barca apitou, o motor rugiu e a esperança, como sempre, se renovou.

José Augusto Bertelli

Da minha varanda vejo...

... entre árvores e telhados, o mar , imenso, azul-verde, refletindo o dia . A espuma branca tingindo a areia, explodindo no rochedos ao fundo, e brincando nas pernas das meninas. Vestido assim, com tanto espanto, o mar parece um convidado que chegou na festa errada, nada que ele apresenta combina com o resto da paisagem, tão modificada pelo homem.A avenida atulhada de carros que seguem nervosos, confusos, pretos, pratas, cinzas. As calçadas estreitas e tímidas, esburacadas e sujas. As pessoas rápidas procurando o depois.
No alvoroço do dia que segue, volto ao meu trabalho, converso com meu filho, atendo o telefone, rabisco compromissos . Mas, de vez em quando, volto à varanda e dou mais uma olhadinha, só para ver se ele ainda está lá, o velho mar companheiro, tão calmo e sereno, outras vezes enfurecido – como se parece comigo....
Volto à varanda para me certificar de que ele não foi embora, que aguentou firme a invasão dos turistas, das calçadas, dos prédios, e gosto de pensar que ele só continua ali porque tem a mim para reconhecê-lo e saudá-lo.Garotas desfilam seus biquinis, rapazes jogam futebol, mães passeiam com seus bebês , um aviâozinho teco -teco circula a propaganda da mais nova cerveja. O mar a todos perdoa e quando o sol desce e está quase sumindo em suas águas, é como se ele desse uma piscadinha para esse admirador e dissesse : -
Tudo bem amigo , a gente se vê amanhã.

Cláudia Nogueira Del Pintor

quinta-feira, 18 de março de 2010

LABORATÓRIO DO ESCRITOR - AULA 2 (13/03/10)

1) LEITURA DAS CRONICAS APRESENTADAS –Da minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. (Rubem Braga)
2) CRONICA- O QUE É
Atualmente, é um gênero literário que explora qualquer assunto, principalmente os temas do cotidiano.
A crônica é um gênero híbrido que oscila entre a literatura e o jornalismo, resultado da visão pessoal, particular, subjetiva do cronista ante um fato qualquer, colhido no noticiário do jornal ou no cotidiano.
Geralmente escrita para ser publicada em jornais e revistas, a crônica se caracteriza pelo tom humorístico ou crítico.
A crônica é o relato de um flash, de um breve momento do cotidiano de uma ou mais personagens.
Uma das finalidades da crônica é justamente apresentar o fato, nu, seco e rápido, mas não concluí-lo.
Na crônica, geralmente não há desfecho, esse fica para o leitor imaginar e, depois, tirar suas conclusões.
A crônica não tem resolução, não tem moral, é aberta para que cada leitor crie o final que melhor desejar. O cronista, no fundo, deseja que seu leitor seja um co-autor.
Na crônica existe agilidade e simplicidade; faz uso de recursos orais (como os diálogos freqüentes), e de coloquialismos, que a tornaram mais próxima, e, de certa forma, melhor compreensível.
Comentário sobre um acontecimento real, preferencialmente diário. É o acontecimento diário sob a visão criativa do escritor.
É uma narrativa curta que geralmente tem como ponto de partida um fato real comentado pelo autor, muitas vezes de maneira lírica ou bem humorada.
É uma produção curta, apressada, redigida numa linguagem descompromissada, coloquial, muito próxima do leitor. Quase sempre explora a humor; mas às vezes diz coisas sérias por meio de uma aparente conversa fiada. Noutras, despretensiosamente faz poesia da coisa mais banal e insignificante.
Nas últimas décadas, no Brasil, muitos escritores notabilizaram-se por suas crônicas: Rubem Braga, Fernando Sabino e Luís Fernando Veríssimo, entre outros
Normalmente destina-se à publicação em jornal ou revista mas se diferencia da notícia pq não é feita por um jornalista e sim por um escritor.
Não é mera transcrição da realidade, mas sim uma visão recriada dessa realidade por parte da capacidade lírica e ficcional do autor
O cronista é essencialmente um observador, um espectador que narra literariamente a visão da sociedade em que vive, através dos fatos do dia a dia.
Seus personagens podem ser reais ou imaginários.
Normalmente, por se basear em fatos do cotidiano, ela tende a se desatualizar com o passar do tempo. Nem por isso deixa de perder seu sabor literário quando agrupamos um conjunto delas em um livro.
A linguagem da crônica é descompromissada das construções rebuscadas, da sintaxe rica, dos adjetivos em excesso, e de tudo aquilo que a torna distante da vida real, ajustando-se desta forma, ao lirismo do nosso dia-a-dia.
LITERATURA DE JORNAL (O QUE É A CRÔNICA) Artur da Távola
É o samba da literatura. É ao mesmo tempo, a poesia, o ensaio, a crítica, o registro histórico, o factual, o apontamento, a filosofia, o flagrante, o miniconto, o retrato, o testemunho, a opinião, o depoimento, a análise, a interpretação, o humor. Tudo isso ela contém, a polivalente.
Direta a simples como um samba. Profunda como a sinfonia.
CRÔNICA E OVO [Jornal O Dia, 27 de junho de 2001] Luis Fernando Veríssimo
"A discussão sobre o que é, exatamente, crônica, é quase tão antiga quanto aquela sobre a genealogia da galinha. Se um texto é crônica, conto ou outra coisa interessa aos estudiosos de literatura, assim como se o que nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha, interessa aos zoólogos, geneticistas, historiadores e (suponho) o galo, mas não deve preocupar nem o produtor nem o consumidor. Nem a mim nem a você.
SOBRE A CRÔNICA - Ivan Angelo
Fernando Sabino escreveu que "crônica é tudo que o autor chama de crônica".
A dificuldade é que a crônica não é um formato, como o soneto, e muitos duvidam que seja um gênero literário, como o conto.
Há crônicas que são dissertações, como em Machado de Assis; outras são poemas em prosa, como em Paulo Mendes Campos; outras são pequenos contos, como em Nelson Rodrigues; ou casos, como os de Fernando Sabino; outras são evocações, como em Drummond e Rubem Braga; ou memórias e reflexões, como em tantos.
Elementos que não funcionam na crônica: grandiloqüência, sectarismo, enrolação, arrogância, prolixidade. Elementos que funcionam: humor, intimidade, lirismo, surpresa, estilo, elegância, solidariedade.
Rubem Braga respondeu assim a um jornalista que lhe havia perguntado o que é crônica: Se não é aguda, é crônica.
3) LEITURA DA CRONICA DO RUBEM BRAGA HOMEM NO MAR

LABORATÓRIO DO ESCRITOR - AULA 1 (06/03/10)

1) APRESENTAÇÃO ELIANA PACE

2) APRESENTAÇÃO DOS ALUNOS: O QUE PRETENDEM?

3) O QUE PRETENDEMOS COM NOSSO LABORATÓRIO?

Dizem que ninguém ensina o ofício de escritor. Mas todos nós sabemos como é importante o treinamento para toda e qualquer atividade. Queremos demonstrar que escrever pode não ser um dom, mas um processo, uma técnica. Vamos mostrar que, no mundo da criação, é possível brincar com as palavras, inventar, experimentar, transgredir.Vamos ver que o ato de escrever é sempre uma busca de saber. Fernando Sabino dizia: Não escrevo porque sei, escrevo para saber.
COMO TRABALHAREMOS?
Vamos desbloquear o medo de escrever, incrementar um interesse especial pela literatura, por questões da gramática e outros aspectos formais da escrita.
Faremos de nosso trabalho um campo de treinamento de palavras e veremos como se dá o processo de criação de uma obra literária atraente. Vamos discernir gêneros literários - crônica, conto, novela, romance, biografia – e orientar a produção de trabalhos dentro dessas características.
Pretendemos incrementar o interesse pela construção de textos literários explorando suas possibilidades criativas, analisando objetividade, clareza, coesão e coerência de um texto literário.
Faremos um trabalho em conjunto para aguçar o espírito crítico e estimular a troca de experiências por meio da observação de técnicas de construção de terceiros.
As aulas serão eminentemente práticas e constarão de exercícios de sensibilização individuais e em grupo.
Realizaremos atividades individuais de produção escrita de contos e crônicas, sempre a partir de temas determinados e orientações técnicas dadas.
Os trabalhos produzidos serão lidos em voz alta e analisados e debatidos em grupo. Receberão críticas e sugestões do orientador.
Os melhores trabalhos serão postados em um blog e ficarão à disposição dos participantes.
5) DICAS PARA ESCREVER MELHOR
É na vida que está a maior parte do material literário. As histórias estão bem próximas. Use a memória sem medo.
O que oferece o maior aprendizado para o escritor iniciante é a própria vida. Vá fundo e dê vazão às suas emoções pessoais.
Um escritor deve conhecer bem o seu ofício. Estude muito.
Carregue sempre caneta e papel no bolso - ou agenda eletrônica: anote tudo o que pensa e quer.
Leia muito, sem preconceitos: os clássicos e os contemporâneos, os brasileiros e os estrangeiros. Não deixe de ler o que você realmente gosta, na hora e no ritmo que quiser. E sempre guiado pelo prazer - quando a leitura parecer pura obrigação, esqueça.
Escreva regularmente e deixe os textos descansando. Volte a eles de tempos em tempos e os reescreva.
Não acredite no mito de que quanto mais louco você for e mais sofrimento tiver, melhor será sua literatura. Um escritor mediano com a cabeça no lugar tem mais chances do que um maluco.
Seu estilo é seu maior patrimônio. Ouça sua voz e seja fiel a ela. Não imite os escritores que você ama (nem os que você odeia).
Se você transita entre muitas linguagens (romance, conto, poesia, teatro, etc.), cuidado. No começo da carreira, é mais prudente escolher um caminho e aprofundar-se nele do que ficar pulando de galho em galho. Deixe a diversificação pra mais tarde.
A função da boa literatura não é entreter e deleitar, mas inquietar e provocar o leitor.
Oficinas literárias são boas experiências, mas é preciso saber tirar o melhor delas.
Em suas leituras, preste atenção a todo tipo de recurso narrativo que os outros escritores usam. Veja como mexem com estrutura, trama ou ausência de trama, construção ou não de personagens, ponto de vista narrativo, etc. ,
É útil saber o que os outros escritores pensam sobre seu ofício. Descubra o que eles dizem a respeito em entrevistas e depoimentos. Se possível, converse com muitos deles, mesmo que tenha de vencer uma natural tendência dos literatos para a introversão e o isolamento.
6) GÊNEROS LITERÁRIOS – CRÔNICA
- Trata-se, na verdade, de uma convenção, pq não existem mais fronteiras.
CRÔNICA = comentário sobre um acontecimento real, preferencialmente diário.
É o acontecimento diário sob a visão criativa do escritor. Não é mera transcrição da realidade, mas sim uma visão recriada dessa realidade por parte da capacidade lírica e ficcional do autor
Crônica normalmente destina-se à publicação em jornal ou revista mas se diferencia da notícia pq não é feita por um jornalista e sim por um escritor.
O cronista é essencialmente um observador, um espectador que narra literariamente a visão da sociedade em que vive, através dos fatos do dia a dia.
Seus personagens podem ser reais ou imaginários.
Normalmente, por se basear em fatos do cotidiano, ela tende a se desatualizar com o passar do tempo. Nem por isso deixa de perder seu sabor literário quando agrupamos um conjunto delas em um livro.
Pode receber um tratamento literário. Quando a crônica entra no terreno do imaginário, vira conto.
8) EXERCÍCIO COLETIVO: CRONICA SOBRE PALAVRAS - CONCHAS, MAR, AREIA, MARÉ, ESTRELA DO MAR, POLVO, IEMANJÁ, BARCO A VELA
9) LIÇÃO DE CASA – CRONICA A PARTIR DESTA IDÉIA
Da minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar.(Rubem Braga)