domingo, 31 de maio de 2009

Crônicas da Infância

Ana Lucia dos Santos


As lembranças de um tempo de infância me levam até Vitória, no Espírito Santo. E levam direto à minha mãe, conhecida como Maria Pequena, que contava histórias de um tempo em que também era criança. Contava coisas que, cada vez que me lembro, me parecem pouco prováveis, mas são histórias que cumprem a função de animar minhas memórias. Como a da morte prematura de seu pai e meu avô causada, pasme, pelo fato de ter comido ovo. A versão foi amplamente difundida nos anos seguintes, chegando aos netos e bisnetos.

José Clemente, esse era o nome do meu avô, era muito jovem. Aliás, com essa história, entendi que os jovens antigos também eram destemidos, meio sem noção de perigo. Claro que guardadas as devidas proporções. Tinha de quinze para dezesseis anos e teria cozinhado ovos, cortado em fatias e fritado. Que ousadia! Foi fatal, morreu imberbe, antes dos dezessete anos. Daí então, comer ovos na família, pelas gerações seguintes, só com muita cautela. Até hoje não como ovo de foram confortável e sem preocupações, tudo por causa da ousadia do meu avô. E as histórias não param aí.

Houve a famosa epopéia protagonizada por Maria Pequena e sua mãe que trabalhava como empregada doméstica numa cidade do interior de Minas Gerais, chamada Peçanha. Nunca encontrei a tal cidade nos mapas, mas acreditava na veracidade das histórias. Pois é, na tal casa, queriam ficar com a menina, minha mãe, como “cria da casa”, como era comum em cidades do interior. Teoricamente, isso lhe garantiria o futuro e, de quebra, um posto de empregada vitalícia.

A solução encontrada pela mãe de Maria Pequena para evitar o destino traçado foi fugir, mudando o rumo da história. Saíram na calada da madrugada, tinha avisado à filha, e minha mãe, para acordar em silêncio, pra ninguém ouvir. E assim foi. A imagem que ficou para aquela menina de sete anos foi de uma casa desaparecendo ao longe, vista de cima da montanha, que ia ficando cada vez menor, até sumir. Herdei a imagem, pelo visto, da casa desaparecendo ao longe, tamanha a veracidade da narrativa da minha mãe.

Andaram muitos dias, semanas à pé, de Minas Gerais até o Espírito Santo. Encontraram no trajeto outros grupos de caminhantes, tropeiros, pegaram algumas pequenas caronas em lombo de burro, numa grande e verdadeira epopéia. As imagens da caminhada, contadas por minha mãe, também herdei. O grande esforço ficou na minha mente e serviu de inspiração. Invocava as antepassadas andarilhas e guerreiras da minha família nos momentos difíceis que vieram no futuro.

Mas o que mais impressionava em Maria Pequena era o seu jeito de ser mãe. Teve nove filhos que nasceram um após o outro, sem trégua.

Os caminhos daquela mulher exigiram muita firmeza. Difícil controlar as finanças, difícil administrar casa e filhos, difícil controlar a vida agitada do marido, sempre envolvido em alguma coisa nova, fosse mulher, trabalho, Sindicato, fosse a própria a família. Tornou-se uma mulher muito séria, dura na criação dos filhos que sabiam que a mãe tinha um porte seguro. Aceitavam os seus “nãos”. E quando ela falava não, era não. Às vezes, nem falava. Bastava um olhar com os olhos apertados, como que a prometer sérios castigos em caso de desobediência. Batendo com cinta quando achava necessário, mas protegendo quando avaliava que as conseqüências poderiam ser piores, caso o pai agisse.

Houve um episódio inesquecível em que uma das crianças, numa briga entre elas, espatifou em mil pedaços o vidro de uma cristaleira antiga, muito bonita, que guardava copos e louças pouco usadas, que haviam ganhado no casamento que já ia longe. Tanto o móvel quanto o que continha eram considerados preciosos para os pais. A mãe assustada, depois de repreender os faltosos, tratou de recolher todos os cacos, tirar o vidro restante e jogar no lixo. Como o vidro da cristaleira era impecavelmente limpo, na verdade não se percebia que ele não estava lá. A mãe resolveu esperar a oportunidade certa para relatar o fato ao marido. Afinal, o Sr. Eponino andava muito nervoso naquela época, pouco trabalho na estiva, reuniões sindicais.

O tempo foi passando e uma noite, pouco mais de uma semana depois do acontecido, o Sr Eponino encontrou tempo para ouvir sua novela de rádio. Não havia televisão naquela época e as novelas de rádio eram animadamente acompanhadas nas casas. Nada diferente naquela casa. O problema é que o rádio ficava em cima da cristaleira, na altura da cabeça do pai ouvinte. Dona Maria Pequena não encontrou jeito de remover do local nem o pai, nem o rádio. Tensão na sala. O pai de pé ao lado da cristaleira, quase acabando o capítulo da novela, num momento de empolgação, se escorou no que seria o vidro do móvel e pronto, o “leite foi derramado”! Desequilibrou-se, caiu em cima de copos e pratos, quebrando vários que se estilhaçaram no chão. A emenda ficou pior que o soneto. Correia para todo lado. Não sobrou um dos filhos sequer na sala. Só se ouviram os gritos do pai:

- Maria, o que é isto aqui?
- O que aconteceu, quem quebrou este vidro?

Os filhos fecharam as portas dos quartos, não saíram mais, todos dormiram mais cedo naquela noite. Não souberam o que aconteceu depois. Certamente, os pais conversaram muito. Mas desta, nós nos livramos, graças à nossa mãe.

O fato é que ela, Dona Maria Pequena, sobreviveu a esses percalços. E de pequena não tinha nada. Era sim, uma grande mulher. Anônima, como tantas outras, mas não para os que vieram depois dela, em linha descendente. Não para os filhos, ainda que não reconhecessem sua grandeza quando pequenos, pois quase nunca é suficiente o reconhecimento dos filhos para com os pais. Ainda que não o tenham reconhecido de forma suficiente quando adultos, a própria existências dos filhos lhe fizeram jus. A firmeza de caráter para dizer não quando necessário e a flexibilidade e delicadeza quando também necessário, essa herança ela nos deixou.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

ENCONTRO MARCADO

Rosi Caobianco
Maio/2009

Sábado à noite, em meio ao turbilhão da rotina e dos compromissos, toca o interfone. Antes das seis, quem será? Grito de longe: In-ter-fo-ne! Ninguém me ouve e vou atender. O porteiro diz: É o senhor “S”, posso mandar subir?
E eu “R”, repondo:
- Sim, claro. E penso: Nossa que pontualidade! Será que isto tudo é ansiedade pela reunião dos novos e talentosos escritores? Sorri por uns instantes, enquanto o aguardava, já na porta de entrada.
Querido “S”, seja bem- vindo. Então, ele perguntou:
- Sou o primeiro a chegar?
- Sim, mas entre, vamos tomar um café que logo chegarão os outros. Apresentei-o à família, sentamo-nos e deixamos a agradável conversa fluir.
Não tardou, tocou o interfone novamente. Dona “R”, chegou a Dona “E”.
- Tudo bem, senhor “J”, deixe-a subir. Chegarão ainda outras pessoas, avise-me quando chegarem.
Enquanto aguardávamos os outros integrantes do grupo, servimo-nos de café e, sem querer, uma sinergia favorável começou a tomar conta do ambiente. Ótimo sinal, o encontro prometia ser o primeiro de muitos.
Coitada da amiga “T” . Quando chegou, o porteiro a encaminhou para que subisse e não me avisou. Na porta do apartamento, ela tocou a campainha mas ninguém atendeu. Estranhou e retornou em direção à portaria. Aí sim, o porteiro interfonou e avisou de sua chegada. A amiga “T” pensou até em ir embora, mas resolveu insistir. Ainda bem, já pensou que desagradável? Não ser atendida...
Pensamos que o amigo “T” não viria mais, devido à demora. A amiga “F” telefonou e avisou que se atrasaria, pois estava fora da cidade. Já sem esperanças de que o amigo “T” viesse, tocou o interfone. E o porteiro disse:
- Dona “R”, é o senhor “T”. Muito bem, senhor “J”, mande-o subir.
Sem demonstrar preocupação, aguardei-o frente à janela da sala, disfarçadamente. O elevador chegou, dirigi-me até a porta e cumprimentei-o. Para minha surpresa, o senhor “T”, muito atencioso, chegou com uma garrafa de vinho chileno para a senhora “R”, dona da casa, e bombons para as demais colegas. Encantador, este senhor “T”.
Educadamente, agradeci a gentileza e fomos ao encontro do grupo. Uma química interessante tomou conta dos colegas. Animados, conversavam e eu, coitada, corria para cima e para baixo para atendê-los.
Logo chegou a senhora “A”. Fui recebê-la. Mais sobe e desce. Em instantes, também já estava enturmada.
Tomamos café, conversamos e alguém lembrou: e o vinho? É só para enfeite? Pensei:
- Pronto, já vou ter que dividir meu presente. Com um sorriso amarelo, fui abri-lo. A rolha quebrou e não saía por nada. Comecei a ficar com dor na consciência. Mas logo resolvi a situação e pude serví-los.
Imagina, vinho, amigos, bom papo, começamos a nos soltar, ler textos e dar boas risadas. Encomendamos uma pizza, generosamente paga pela senhora “E”. Jantamos, tomamos todo aquele vinho e mais outro. Não tinha como um encontro destes dar errado.
Felizes, prometemo-nos outras reuniões. Deste sábado em diante o grupo selou uma amizade leal e gratificante.
A amiga “F” não chegou a tempo. Enviou-me flores no dia seguinte. Mas sabemos que será mais um elo para agregar ao grupo. Será também muito bem-vinda. Assim como os outros integrantes do “Laboratório do Escritor” que também deixaram de comparecer ao primeiro encontro literário.
Não obstante, que venham outros e outros encontros, recebê-los-ei.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Prêmio OFF FLIP terá bolsa em parceria com a FLIPORTO

A quarta edição do Prêmio OFF FLIP de Literatura terá uma bolsa de criação literária patrocinada pelo Instituto Maximiano Campos e pela FLIPORTO - Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas. A bolsa terá o valor de R$ 5 mil e será oferecida ao primeiro colocado do Prêmio em cada gênero (conto e poesia).
A criação da bolsa é uma forma de estímulo à criação literária e também de integração entre os festivais literários que existem no país. Os dois vencedores participarão da OFF FLIP e terão despesas custeadas para assistirem à programação da FLIPORTO, que acontece no famoso balneário pernambucano.
Criado em 2006 como parte da programação literária da OFF FLIP, o Prêmio oferecerá ainda ao primeiro colocado e aos demais vencedores R$ 10 mil no total, além de estadia em Paraty e ingressos para mesas de debate da FLIP. Os 40 textos finalistas serão publicados em uma coletânea pelo Selo OFF FLIP.
Mais informações no site do Prêmio [www.premio-offflip.net].

Pão de Mel

Rosi Caobianco
Maio/2009

Huuumm... Que delícia!
Sabor irresistível, da malícia.
Em um recheio quase perfeito e singular,
Unido com cobertura de chocolate, faz carícia e sonhar.
Derrete no calor do pensamento,
Aproxima-se então pelo encantamento.
Transpassa pelos corpos,
Acorda os mortos.
Envolve todo um mistério,
Quando se aprende ainda no magistério.
O toque suave faz esquecer,
Nas calorias sei que vou me envolver.
Camada por camada, deixar fluir,
Palavras distorcidas começam a se unir.
Na receita desta magia sendo preparada,
Sem medo, sempre que bem manipulada.
Misturados entre carícias, corpos e pensamentos,
Acabam na volúpia de muitos e vários momentos.
Com prazer, sei que vou degustar só um pão de mel,
Em pedaços de chocolate, recheio e tormento, deixo o céu.
Pecado também combina com prazer, chocolate com êxtase,
Mas quem ainda não se deu a chance?
De saborear e apreciar... Apenas um pedaço,
Logo ali, como um recado no espaço.
E de ser feliz, com aquele se que diz,
Um simples e mero aprendiz!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Estão abertas as inscrições para o FEMUP

Interessados em participar do 44º FEMUP - Festival de Música e Poesia de Paranavaí e 41º Concurso Literário de Contos, a serem realizados nos dias 12, 13 e 14 de novembro de 2009, podem se inscrever até o dia 29 de agosto.

SÃO R$ 31.750,00 DE PRÊMIOS EM DINHEIRO!

Realizado em Paranavaí há 43 anos, o FEMUP, um dos festivais culturais mais tradicionais do Brasil, é uma iniciativa da Fundação Cultural de Paranavaí. O objetivo do evento é intensificar o intercâmbio artístico entre todas as regiões do País, além de descobrir e valorizar novos talentos.

Para participar, o interessado precisa ser brasileiro, independente de estar no país ou não. As inscrições são gratuitas.

O regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis para download no site www.novacultura.com.br

Mais informações em: (44) 3902-1128 ou cultura@fornet.com.br

Participe e boa sorte!

PARCERIA DELICATTA E SCORTECCI

O Projeto Delicatta terá agora, no ano em que completa 5 anos, um selo editorial, parceria feita com a Scortecci que tem como objetivo maior a edição e a publicação de antologias e de livros solo de autores participantes do projeto literário em antologias.

O autor poderá contar com toda estrutura de Produção Editorial e Gráfica, além, de comercializar o livro através da Livraria Asabeça e também através do site da Livraria Cultura
Benefícios aos autores do Projeto Delicatta

a) Edição e Publicação de Livros com uso do Selo Editorial de co-edição.
b) Desconto de 5% (cinco por cento) que dar-se-á na solicitação de orçamento e só será aplicado com autorização por escrito do Projeto Delicatta.
c) Parcelamento em até 8 (oito) vezes sem juros
1) ISBN, Ficha Catalográfica e Depósito Legal
2) Documentação para Registro de Direito Autoral junto a FBN.
3) Diagramação, Provas e Arte Final de Capa
4) Convites ou Marcadores com Selo Editorial de co-edição (250 unidades)
5) Catálogo de Publicações na Internet com Link de Comercialização na Livraria Asabeça
6) Divulgação da obra na Internet nos Portais Amigos do Livro e Scortecci.
7) Comercialização da obra pela Internet nas Livrarias Cultura e Asabeça
8) Espaço em Feiras e Bienais que a editora venha a participar pelo período de 5 anos.
Participe da Antologia Delicatta IV que terá seu lançamento e tarde de autógrafos na Livraria Cultura e usufrua dos benefícios para editar seu livro solo.

www.antologia-delicatta.com

quarta-feira, 20 de maio de 2009

MAR E ONDAS

Por Rosi Caobianco
Maio/2009

Irmanada de sentimentos adormecidos, reflito
Camuflo o que tenho de melhor
Medo de desabrochar? Talvez...
De se descobrir? Talvez...
De um dia não acordar? Talvez...
As ondas vêm e vão no mesmo compasso.
Ritmadas, seguem sua rotina
O mar movimenta-se tranquilamente
Numa sinergia quase perfeita junta-se ao horizonte
Com os sentimentos presentes,
Guarda seus segredos,
Impõe limites.
Irado, mostra seu rompante.
Contrariado, torna-se perverso,
Apresenta suas garras,
Maltrata e inibe
Aí sim, vem o medo de não voltar,
De se acovardar,
Sem coragem para perceber
O quão pouco nos basta
Um olhar...
Um carinho...
Um abraço apertado...Uma melodia...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

MAR REVOLTO...

Por Rosi Caobianco

Uma mistura de ansiedade e apreensão me envolveu ao observar a aspereza com que o mar batia nas pilastras e invadia as calçadas da Ponta da Praia em Santos. Caminhava casualmente, um final de tarde, e diante do que vi, não resisti. Parei para observar e fotografar.

Deixou-me boquiaberta a sensação de perigo que, logo em seguida, transformou-se em arte refletida nas lentes de uma câmara fotográfica. As ondas do mar espumavam com a volúpia da natureza e exteriorizavam pelos vincos que se abriam nos espaços escolhidos para fazer-se representar. Prontamente, puderam ser registradas por mim naquele instante de rara beleza. De minuto em minuto, lá vinham elas, cada vez mais iradas, mais fortes, mais transtornadas e loucas para mostrar sua beleza e sua força.

O mar parecia contrariado, demonstrava um rompante como o de alguém que conhece sua capacidade de destruição e queria demonstrar, ali, todo o seu potencial, doesse a quem doesse. Nele pulsa um coração de pedra e, em sua linguagem, mostra sua insatisfação, revolta-se com aqueles que o agridem e enchem de lixo, de pets, de tudo que não contribui com aquele habitat. Evidencia que dentro dele existe vida, seres das mais variadas espécimes, de classes completamente diferentes, cada um na sua singularidade e que interagem entre si. E que também se devoram quando querem lutar pela sobrevivência.

Em determinado momento, pensei: como não respeitar este gigante, esta imensidão que em algum momento contribuirá para com o futuro da humanidade? Ali está, no mar, o maior volume de água do mundo... Neste pedaço do oceano... Soberano e prepotente.

Seguro de si, sabe de sua importância e avisa: Preservem!

terça-feira, 12 de maio de 2009

Crônica sobre Infância

UMA LEMBRANÇA DO TEMPO DE INFÂNCIA
Antonio Taveira

Mamãe nos avisou que no dia seguinte, domingo de manhã, íamos visitar a Tia Albertina. Minha irmã e eu ficamos eufóricos, pois titia morava no Monte Serrat e estávamos curiosos para conhecê-lo. Logo cedo, pegamos o bonde para a cidade, nossa aventura começara.

Dia de passeio, tudo é festa: o trajeto do bonde, a passagem pelo cais e os prédios do centro. Na chegada ao Monte Serrat, o bondinho que sobe o morro acabara de sair, teríamos que esperar mais meia-hora para pegar o próximo. Papai propôs que fôssemos pela escada, nós aceitamos na hora, mamãe não se opôs e lá fomos todos enfrentar os mais de 400 degraus. Como criança não se cansa, agüentamos bem a subida sem reclamar e meus pais, ainda novos, não tiveram problemas com o desafio.

Ao chegarmos lá em cima, logo vimos a casinha branca que ficava no ponto mais alto do morro. Após cumprimentar os tios, fomos explorar o terreno, que mais parecia um sítio de tão grande que era. Os fundos davam para a encosta do morro e a extensão de sua vista não tinha fim. Podíamos ver a cidade de Santos até a praia e, mais para o lado, os prédios do Guarujá.

Titio comentou que era criador de pássaros e perguntamos onde estavam as gaiolas. Ele respondeu que não tinha, pois criava os pássaros em liberdade, e levou algumas frutas cortadas até uma madeira colocada em uma árvore. Durante a manhã toda, vimos uma desfile de sabiás, canários, bem-te-vis, beija-flores e um pássaro que achei o mais lindo e me lembro até hoje, todo preto com a cabeça vermelha, de nome tié-sangue.

Goiaba, carambola, jabuticaba, abacate eram as árvores frutíferas que tinham na casa, e minha irmã e eu subimos e comemos das frutas que estavam maduras. E tinha mais: nas plantações de abóbora, batata doce, milho e cana de açúcar, corríamos a brincar de esconde-esconde e pegador.

Titia nos chamou para um lanche. Pães, bolo, doce de batata doce e espiga de milho verde cozida, hum! que delícia, e para beber, lógico “garapa”, pois titio tinha uma moenda de cana de açúcar no barracão ao lado da casa.

A manhã passou rapidamente e já estava na hora de irmos embora. Após as despedidas aos tios e promessas de retorno (que infelizmente não aconteceram), ganhamos um prêmio: vamos descer de bondinho. Que farra, que alegria!

No retorno para casa, relembramos os felizes momentos que tivemos neste passeio e o cansaço e o doce sacolejar do bonde nos fizeram dormir no banco até chegarmos a nosso ponto de descida.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

CURITIBA DA MINHA INFÂNCIA

Crônica de Rosi Caobianco

Curitiba é nome de expressão indígena, com o significado de “muito pinhão” em guarani. Pinhão, semente do pinheiro, árvore alta, majestosa, chamada araucária. Saudade traduz toda a emoção em relembrar da infância na cidade onde nasci, cresci e vivi até migrar para Santos.

Comer pinhão é prazer dos melhores, seja ele cozido ou assado na brasa. E o mais lúdico é garimpar os pinhões que caem ao chão pelos campos ou onde quer que estejam. Milhares de vezes fiz isso e para quem aprecia esta iguaria, é surreal saborear um a um.

Nada do que vivi supera aqueles tempos de infância, de amor sincero, de filha mimada, a “polaquinha” do papai. É assim que meu pai me chama ainda hoje, algumas vezes, até por telefone quando falo com ele nos finais de semana. Afinal, Santos está a mais de quatrocentos quilômetros da família que tanto prezo e estimo.

Durante toda minha infância, tivemos uma vida regrada, não dispusemos de luxo algum. Pelo contrário, foram tempos de muito sacrifício por parte de meus pais, mas havia um amor incondicional, impagável do pai carinhoso que tenho. Minha mãe era mais brava e quando muito irada, depois das mácriações, corria atrás de mim com uma varinha horrorosa. Felizmente, raramente me pegava, eu era mais rápida. Meu pai não costumava passar a mão na cabeça, mostrava o que era certo ou errado, só olhava sério e sabia compensar os bons momentos.

Tínhamos quintal em casa, animais de estimação e árvores frutíferas. A que mais aproveitamos foi uma pereira linda que todos os anos nos presenteava com seus frutos.

Meu pai nos levava, eu e meu irmão chato, para passear no “Passeio Público”, um mini-zoológico no centro de Curitiba. Fazia isso sempre no domingo pela manhã para que minha mãe pudesse fazer o almoço com tranqüilidade. Ela nos arrumava e saíamos felizes. Ao chegar lá, pausa para foto. Hilária, em um cavalinho tipo pônei, toda bonequinha, de vestido, laço de fita nos cabelos, meia ¾ e sapato de fivela. Depois, claro, íamos alimentar os peixes e patos do lago com pipocas. Era uma festa para as crianças que, assim como nós, aglomeravam-se em volta do lago.

Engraçado também era ver meu irmão tropeçando na bota ortopédica que teve que usar. Ele odiava aquilo e com razão, era muito feia mesmo.

Com minha mãe, recordo-me que toda sexta-feira à tarde, ela nos pegava pelas mãos e seguíamos para a novena de São Judas Tadeu em uma rua paralela à linha do trem, perto de minha casa. Nossa, que saudades! Emociono-me até, são tempos que ficaram registrados na memória e em poucas fotos, tempos que infelizmente não voltam mais.

Fui alfabetizada muito cedo. A escolinha ficava a uma quadra de casa e chamava-se “Bem-me-quer”. Lá estudei do pré-primário até o término do ginasial. Lembro-me muito bem da tia Alda e da tia Irene, a primeira diretora e a outra professora do colégio. Até lá fui mimada. No segundo grau, estudei no Colégio Nossa Senhora Menina, onde também tive uma boa formação. Depois fui para o cursinho e em seguida para a faculdade.

Aos dezesseis anos, ingressei no curso de Biologia da PUC, fui bancária, casei e quinze anos depois retornei ao banco escolar para cursar Publicidade e por último Jornalismo. Achei que poderia recomeçar, não me intimidei com as negativas e passei a conviver novamente com jovens, Orkut, novas mídias como a internet e programas de tratamento de imagens e de textos. No jornalismo, senti necessidade de exteriorizar meus sentimentos e aperfeiçoar a escrita. Também adoro artes plásticas, fruto de um incentivo que recebi lá de trás, do colégio “Bem-me-quer”, dos trabalhos escolares que representaram toda minha infância. E hoje, a fotografia, um congelamento de imagens e do tempo que se perpetuarão na minha visão de mundo.

Esta sou eu, emoção e razão. Sensibilidade e transparência. Um bebê ainda, diante da imensidão do futuro e do que ainda quero vivenciar, do desejo de ser feliz com todos os pequenos momentos e guardar só o que vale a pena. O que não for, colocar em uma caixinha de aborrecimentos e abandonar para trás. Deixar o tempo decompor naturalmente os períodos ruins. O que fica são as coisas boas, as amizades que fazemos, o resto acaba com menos importância.

Desta vida levamos o melhor de nós, mas tenho consciência de que também já errei muito procurando acertar. Sou a durona que também cede, também chora, também ri, também surta, afinal, sou um ser um humano como todos os outros, de carne e osso, não uma figurante e sim um personagem no livro da vida. Da vida que merece ser vivida. Uma vida que nasceu em Curitiba, fruto de dois incansáveis seres, meu pai e minha mãe, um porto seguro, meus amados amores.

Crônica sobre Infância

Sergio Lopes

ALMOÇOS DE DOMINGO

Dentre tantas boas recordações da minha infância está o almoço de domingo na casa dos meus avós maternos. Normalmente criança não gosta dessas formalidades, mas no meu caso era diferente: eu ficava no “ponteiro” esperando o domingo chegar. Por essa época tinha oito anos, se tanto.

Morávamos em uma casa recém construída por meu pai que era engenheiro civil e a projetou visando atender a uma família de quatro pessoas. Ele, minha mãe, meu irmão mais velho e eu. De arquitetura moderna, já contrastando com antigos casarões, ficava na Avenida Francisco Glicério em frente onde outrora se localizava o “Asilo de inválidos de Santos”.

Quando nos mudamos para lá, lembro-me bem que a avenida não possuía calçamento o que facilitava para nós, meninos da vizinhança, as brincadeiras: taco, jogar espeto, futebol com gol chinês, que tinha uma trave pequena e que até hoje não sei a razão do nome; empinar papagaio, jogar peão e meu preferido: as bolinhas de gude. Alem do jogo, havia as belas cores daquelas bolinhas de vidro. Em qualquer empório ou mercearia que se entrasse, lá estava sobre o balcão um grande vidro cheio delas que em suas cores puxadas para os tons azul e verde formavam verdadeiro caleidoscópio.

Assim seguia a vida: livre e solta. Mas no domingo...

Minha mãe nos arrumava a mim e a meu irmão no capricho: sapato social, meias três quartos, calças curtas com cinturão e camisa abotoada até o colarinho enfiada por dentro da calça. Uma tortura para quem gostava mesmo de “pé no chão”. Nessa época, bermuda era traje usado no Caribe e no Havaí.

Pelas onze, meu pai estava tirando seu possante Chevrolet Bell-air da pérgula e já a essa altura minha ansiedade era grande. Eu explico: é que a casa dos meus avós era antiga, plantada em um terreno grande, mais parecia uma chácara.

Com a indefectível seqüência de buzinadas (pam param pam...pam...pam...) meu pai avisava que estávamos chegando. Meu avô nos esperava no portão e a alegria começava. Mal dava um beijo na minha avó, na bisa e lá ia eu à toda para o quintal. Meu irmão era mais comportado.

Ali no quintal, havia muitas árvores frutíferas e uma bela horta. Recordo-me da goiabeira, abiu, fruta do conde, ameixinha amarela e carambola, fruta hoje difícil de se encontrar, que junto com a manga estava presente em grande parte das casas. Tudo ali à mão, precisando apenas de um pequeno esforço como subir nas árvores para se “lambusar”.

- Menino, desce daí que vai sujar a roupa – alertava a bisa Ritinha – depois sua mãe ralha.
Entre as árvores havia um viveiro para pássaros enorme: saíra sete cores, cardeal com seu topete vermelho, altivo. Os canários em sua variação de tons de amarelo, enfim, uma aquarela. Meu avô criava galos de briga, um jogo muito popular naqueles anos 50, e também tinha curiós, que ia caçar nas proximidades do km19 da estrada de ferro que cortava a quase virgem Praia Grande. Galinhas ciscavam no terreiro com seus pintainhos sempre as seguindo, assim como as patas cuidando de suas crias.

Tem alguém com fraqueza? Astenia?

Vai lá na casa da dona Itacy que ela lhe arranja alguns ovos de pata, grande fortificante, ainda mais se batido com um bom vinho quinado.

Na hora do almoço, que era servido por volta da meio dia e meia, eu já estava todo desarrumado.

- De onde você vem... da guerra?

Parecia mesmo. O sapato de duas cores agora possuía uma só: a do barro. A meia idem – até que combinavam; a camisa pra fora da calça e despenteado. Levava uma bronca, mas estava feliz. Meu irmão permanecia impecável.

À mesa, família reunida, grata recordação de minha infância: os pratos que minha avó cozinhava. As almôndegas, a carne assada na panela de ferro, a galinha da própria criação, abatida ali mesmo no quintal e preparada ao molho pardo, um sabor que depois daquela época nunca mais encontrei. E meu prato preferido: o “bife da vovó” que era um bife coberto por um espesso molho vermelho!

Tardes de domingo inesquecíveis, com a pureza e inocência em ser criança.

Isso sim é felicidade!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Crônica sobre a cidade

Autor: Sergio Teles Fernandes Lopes

Pensar em mar e areia sempre me remete a dias ensolarados do típico verão de nossa cidade. Gente bonita e bronzeada caminhando à beira mar, outros à sombra nas barracas montadas na areia bebericando e jogando conversa fora.

Mas não é só isso: a praia à noite também é bastante convidativa, principalmente se a data é de festa.

“Dia dois de fevereiro
dia de festa no mar
eu quero ser o primeiro
a saudar Iemanjá.’’

Nos versos de Dorival Caymmi, um convite para esse ritual que se realiza nas praias em homenagem à rainha do mar.

Este ano resolvi participar mais ativamente da festa. Comprei calça e camisa brancas e fui a uma loja que vende produtos para umbanda. Na porta, uma imagem grande de “Exu” e uma “Pomba Gira’’ vermelha davam um toque especial ao acanhado comércio. Depois de muito olhar, escolhi um barquinho azul e branco onde iria depositar algumas rosas, um vidro de perfume e um bilhete com meus pedidos para ela. O vendedor tentou até me empurrar umas flores de plástico, no que protestei.

-E Iemanjá é lá mulher que mereça isso?

- Ela liga não, moço.

Nos anos anteriores, ia mais de curioso andar na areia fresquinha da noite, molhar os pés no mar e observar as pessoas e suas oferendas. As baianas em seus trajes típicos imaculadamente brancos rodopiando e estancando bruscamente, balançado os colares e guias com força; os homens com turbantes enfiados na cabeça dando baforadas de charuto e falando em uma língua ininteligível para mim. Tudo remetendo ao místico, misterioso.

A noite da festa, praia lotada e eu firme lá. Sentir de novo a areia fria, fininha nos pés é gostoso. Com a bainha da calça levantada, molhei os pés no mar e entre o oferecimento de um trago e outro da boa cachaça – o que não recusei- fui levando meu barquinho até a beirada do mar. Entrei na água até senti - la na altura dos joelhos e, cuidadosamente, dei um empurrãozinho para meu barquinho vencer a primeira onda. E lá estava ele flutuando com sua preciosa carga e um bilhete escrito com minha melhor caligrafia, como se Iemanjá precisasse de boa letra para entender os milhares de pedidos que flutuavam no bojo daqueles barquinhos.

Por um momento, e apenas por um momento, temi que ele pudesse naufragar. Isso foi na terceira ou quarta ondas – pendeu para um lado, depois pro outro, dando a impressão que ia ao fundo, mas seguiu firme, subiu bem alto na crista da onda e desapareceu por trás dela, sumindo de minha visão.

A meu lado, uma moça ajudada por sua amiga colocava no mar um barco grande que, se comparado aos outros, mais parecia um navio lotado de flores e frascos de perfume. Era uma beleza de encher os olhos. Com uma ajudazinha, venceu as primeiras marolas.

-Olha lá, olha lá...

Alguém gritou apontando para uma onda grande que ia se formando ao longe.

Ninguém ali podia acreditar, mas quando a onda encontrou o naviozinho, o impacto fez com que ele começasse a adernar, dando a impressão que não agüentaria a próxima onda. E foi o que aconteceu. Foi a pique... Flutuou uns poucos metros e...

O que teria ocorrido para a rainha do mar não aceitar aquela bela oferenda? Sabe-se lá.
Com o rosto entre as mãos e olhar fixo, a moça perdeu a expressão. Chegava a seus pés na forma de efêmera espuma a malfadada onda que emborcara seu naviozinho. Abraçou a amiga e chorou.
O meu, bem, o meu, pelo jeito teve aprovação e venceu o desafio das ondas. Reconheço que se ainda não tive todos os pedidos atendidos, alguns já foram e os outros certamente estão muito bem encaminhados. Ano que vem estarei de volta.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Encerramento do curso

Fotos do encerramento do Laboratório do Escritor, com direito a tarde de autógrafos da atriz Geórgia Gomide, na Realejo Livros do Shopping Miramar.










terça-feira, 5 de maio de 2009

Fotos do curso

Parceiros do Laboratório do Escritor: foi um prazer enorme trabalhar com vocês, descobrir ou redescobrir talentos, chorar e rir com seus escritos. Mas, melhor ainda, foi tê-los como amigos. Até a volta.

Beijos da Eliana Pace!








segunda-feira, 4 de maio de 2009

PAPO DE PRAIA

Por Fabiana Prando
24/04/2009

Dia de praia é um ritual: guarda-sóis plantados na areia, cadeiras esparramadas, comércio ambulante abundante e reunião de amigos com absolutamente nada pra fazer. Fazer o quê?

- Vamos falar da tua vida que a minha não me interessa, dispara uma amiga, assim que aterrissa com filho, bola, prancha, bolsa, protetor solar, óculos e canga. E, apesar de anunciar o interesse no alheio, comenta os percalços de sua recente separação. Os homens...

Desvio o olhar para a barraca vizinha. Empunhando um copo de caipirinha o rapaz de sunga florida declara: - Sou PHD! Os amigos se admiram, ele explica: - “Praia Hoje De novo!” A gargalhada é geral, a caipirinha circula e a conversa caminha... Novo tema: frases de pára-choque de caminhão. Resolvo saltar da boléia e, pés na areia, caminho até o mar.

Na beira da água encontro os encantados, aqueles que ainda se maravilham diante do mar. Uma pequerrucha ri e bate palmas enquanto brinca de pega-pega com as ondas. Três crianças maiores cavam um buraco enorme e com a lama escorrendo de seus dedos criam um castelo original. Os adultos que os supervisionam engatam uma animada conversa sobre lipoaspiração...

Inspiro, expiro e deixo o pensamento me levar. Por que não ficamos mais pasmados diante do mar? Por que não sinto mais o cheiro da maresia que me invadia ao chegar em Santos? Me acostumei ou desencantei?

Mergulho de cabeça, me jogo nos braços do mar. Com toda natureza presente: céu azul, sol a brilhar; melhor aproveitar o dia de praia, chega de filosofar.

Tchibum!!! Chuáááá!!!!