segunda-feira, 6 de abril de 2009

O Mestre que Amava

O Mestre que Amava
“Drummond”

Valéria Ribeiro
Exercício a partir da palavra POMPOM

O professor de administração era um homem culto, além de muito elegante, mas um dos seus melhores atributos era amar a poesia de Carlos Drummond de Andrade.

Ele sempre chegava na classe, colocava a chave do seu carro em cima da mesa e antes de começar a matéria pertinente à disciplina de administração, lia. ou melhor, recitava Drummond:

“ Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente”.

Dizia que era um estímulo a vida do cotidiano, pois um administrador, muitas vezes é obrigado a lidar com a rotina do trabalho e com a frieza dos números, mas perto de Drummond, com certeza, todos encontrariam um objetivo maior do que a limitação da burocracia.

Eu adorava esse professor, até que um dia algo me intrigou: ele chegou para ministrar sua aula e a chave do seu carro estava com um chaveiro de POMPOM. Era um chaveiro indiscreto, o pompom era enorme na cor verde alaranjado, destoava daquele professor tão refinado. Confesso que neste dia não consegui prestar atenção na poesia que foi recitada, pois meus pensamentos ficaram presos ao chaveiro de pompom.

Passados um mês dessa aula de estréia com o chaveiro de pompom, eu não resisti, precisava perguntar ao nobre mestre a razão da existência desse pompom. Qual seria a mensagem para nós, futuros administradores? Entretanto, como não tinha coragem de abordá-lo para fazer uma pergunta tão abusiva, resolvi furtar o pompom para posteriormente entregá-lo, como uma pessoa de alma boa que devolve o objeto perdido do mestre querido.

E assim fiz, discretamente, ao final da aula, quando todos os alunos rodeiam o professor para fazerem as mesmas perguntas que já foram respondidas na aula. Aproveitei a distração de todos e surrupiei o chaveiro de pompom, deixando a chave jogada na mesa.

Na próxima aula, assim que o meu mestre querido entrou na sala, eu me aproximei e ansiosamente falei:

- Professor! Tenho uma boa notícia! Achei o seu chaveiro de pompom, estava no chão, ele deve ter um significado para o senhor?

- Sim, ele impede que eu esqueça a chave do carro, por ser tão grande e esquisito, mas muito obrigado.

Depois disso percebi que até os mais inteligentes têm atitudes comuns, mas, no meu caso , tive uma atitude alucinada e medíocre. Como pude furtar o pompom, como pude perder a atenção nas aulas, por causa do pompom? Acho que essa é a nossa diferença, ele se preocupa com a mensagem de Drummond e eu com a mensagem do pompom.

E para a minha surpresa, nesta aula eu entendi porque o professor amava Drummond:

“ Era o início da tua melhora...
Onde você quer chegar? Ir alto?
Sonhe alto... Queira o melhor do melhor...
Se pensarmos pequeno... Coisas pequenas teremos...
Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor...
O melhor vai se instalar em nossa vida
Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura”

2 comentários:

  1. Parabéns Valéria, muito boa sua história.
    Taveira.

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  2. ...muito bom. Achei interessante a sua linha de pensamento e guardou a surpresa para o final.
    bjs

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