sexta-feira, 8 de maio de 2009

Crônica sobre Infância

Sergio Lopes

ALMOÇOS DE DOMINGO

Dentre tantas boas recordações da minha infância está o almoço de domingo na casa dos meus avós maternos. Normalmente criança não gosta dessas formalidades, mas no meu caso era diferente: eu ficava no “ponteiro” esperando o domingo chegar. Por essa época tinha oito anos, se tanto.

Morávamos em uma casa recém construída por meu pai que era engenheiro civil e a projetou visando atender a uma família de quatro pessoas. Ele, minha mãe, meu irmão mais velho e eu. De arquitetura moderna, já contrastando com antigos casarões, ficava na Avenida Francisco Glicério em frente onde outrora se localizava o “Asilo de inválidos de Santos”.

Quando nos mudamos para lá, lembro-me bem que a avenida não possuía calçamento o que facilitava para nós, meninos da vizinhança, as brincadeiras: taco, jogar espeto, futebol com gol chinês, que tinha uma trave pequena e que até hoje não sei a razão do nome; empinar papagaio, jogar peão e meu preferido: as bolinhas de gude. Alem do jogo, havia as belas cores daquelas bolinhas de vidro. Em qualquer empório ou mercearia que se entrasse, lá estava sobre o balcão um grande vidro cheio delas que em suas cores puxadas para os tons azul e verde formavam verdadeiro caleidoscópio.

Assim seguia a vida: livre e solta. Mas no domingo...

Minha mãe nos arrumava a mim e a meu irmão no capricho: sapato social, meias três quartos, calças curtas com cinturão e camisa abotoada até o colarinho enfiada por dentro da calça. Uma tortura para quem gostava mesmo de “pé no chão”. Nessa época, bermuda era traje usado no Caribe e no Havaí.

Pelas onze, meu pai estava tirando seu possante Chevrolet Bell-air da pérgula e já a essa altura minha ansiedade era grande. Eu explico: é que a casa dos meus avós era antiga, plantada em um terreno grande, mais parecia uma chácara.

Com a indefectível seqüência de buzinadas (pam param pam...pam...pam...) meu pai avisava que estávamos chegando. Meu avô nos esperava no portão e a alegria começava. Mal dava um beijo na minha avó, na bisa e lá ia eu à toda para o quintal. Meu irmão era mais comportado.

Ali no quintal, havia muitas árvores frutíferas e uma bela horta. Recordo-me da goiabeira, abiu, fruta do conde, ameixinha amarela e carambola, fruta hoje difícil de se encontrar, que junto com a manga estava presente em grande parte das casas. Tudo ali à mão, precisando apenas de um pequeno esforço como subir nas árvores para se “lambusar”.

- Menino, desce daí que vai sujar a roupa – alertava a bisa Ritinha – depois sua mãe ralha.
Entre as árvores havia um viveiro para pássaros enorme: saíra sete cores, cardeal com seu topete vermelho, altivo. Os canários em sua variação de tons de amarelo, enfim, uma aquarela. Meu avô criava galos de briga, um jogo muito popular naqueles anos 50, e também tinha curiós, que ia caçar nas proximidades do km19 da estrada de ferro que cortava a quase virgem Praia Grande. Galinhas ciscavam no terreiro com seus pintainhos sempre as seguindo, assim como as patas cuidando de suas crias.

Tem alguém com fraqueza? Astenia?

Vai lá na casa da dona Itacy que ela lhe arranja alguns ovos de pata, grande fortificante, ainda mais se batido com um bom vinho quinado.

Na hora do almoço, que era servido por volta da meio dia e meia, eu já estava todo desarrumado.

- De onde você vem... da guerra?

Parecia mesmo. O sapato de duas cores agora possuía uma só: a do barro. A meia idem – até que combinavam; a camisa pra fora da calça e despenteado. Levava uma bronca, mas estava feliz. Meu irmão permanecia impecável.

À mesa, família reunida, grata recordação de minha infância: os pratos que minha avó cozinhava. As almôndegas, a carne assada na panela de ferro, a galinha da própria criação, abatida ali mesmo no quintal e preparada ao molho pardo, um sabor que depois daquela época nunca mais encontrei. E meu prato preferido: o “bife da vovó” que era um bife coberto por um espesso molho vermelho!

Tardes de domingo inesquecíveis, com a pureza e inocência em ser criança.

Isso sim é felicidade!

2 comentários:

  1. Lindo...adorei!
    Eu acho fantástico termos coisas para contar.
    O nosso repertório é incrível, cada qual com um histórioco de vida. Essas lembranças preenchem a alma. É delicioso.
    Beijos

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  2. Hoje a mamãe deixa ficar despenteado e com a camisa prá fora das calças?

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