quarta-feira, 19 de maio de 2010

(CRÔNICA) A BENÇÃO DA CRENÇA

Era 23 de abril. Dia de celebrar o santo guerreiro. Ogum ou São Jorge é um dos ícones do sincretismo religioso que o povo incorpora sem reservas. Há lugar garantido para a fé no coração do brasileiro. O nome não altera a essência de um soldado valente que enfrentou o exército e venceu o dragão. É a representação do mal sob controle.
Chove bem fininho e os devotos rezam para que, na hora da procissão, São Pedro em parceria dê uma trégua para a imagem do santo desfilar pelas ruas do Macuco. A missa das 19 horas promete grande público – comerciantes, donas de casa, crianças, empresários, trabalhadores portuários, afortunados, gente simples – todos unidos pela crença no santo destemido.
A igreja torna-se pequenina para a legião que deposita ali os seus desejos e a gratidão por mais um ano, livre das labaredas de muitos ‘dragões’ do dia a dia. No exercício da fé não há classes sociais, castas, bens ou status que possam nos apartar – temos em comum a confiança em um poder maior que nos garante a proteção.
Caminho rápido pensando na presença de Jorge em minha vida – sim, nos tornamos tão próximos que às vezes esqueço que, além de meu amigo, ele é um santo glorioso, mas não tem aqui um traço qualquer de desrespeito. É porque Ele é muito íntimo mesmo.
Percebo que um garoto emparelha a sua bicicleta comigo. Me regula dos pés à cabeça e fixa o olhar mais precisamente na minha bolsa. Por um momento eu gelo de medo, pressinto o perigo. De repente decido encará-lo e digo mentalmente: “Nem tente, daqui você não vai levar nada. Eu estou vestida com as roupas e as armas de Jorge, para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me toquem, tendo olhos não me vejam e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal!”. Olho para o garoto e em cima da sua cabeça lá está Ele com o seu cavalo branco e a capa vermelha tremulando no ar... O menino abaixa a cabeça e segue o seu rumo. Respiro grata e aliviada.
Sigo o meu caminho e chegando à igreja mais uma vez reverencio a sua presença benfazeja em minha vida. Agradeço e renovo os pedidos por mais um ano. Antes de ir embora me aproximo de sua imagem. O coração bate forte. Me emociono. Ele majestoso em seu cavalo parece me fitar. Toco em seu joelho e sinto uma vibração que só experimenta quem se abre verdadeiramente para o divino. Me despeço com aquele conforto espiritual que me faz mais forte e abençoada. É a benção da fé!
E é bom registrar que no céu despontam estrelas, coloridas pelos fogos rubros da procissão. A chuva recuou para a multidão passar. Salve Jorge!
(Adriana Bispo)

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