segunda-feira, 31 de maio de 2010

O ASSASSINO DA MALETA

Célia e Denise se conheceram no primeiro dia de aula do curso de Jornalismo, após um trote sofrido recolhendo moedas dos motoristas que passavam em frente ao prédio da Faculdade de Comunicação.
Terminada a brincadeira, que ambas achavam de muito mau gosto, calouros e veteranos sentaram-se em um bar nas redondezas para gastar o dinheiro arrecadado. Apesar de não concordarem com o tipo de recepção que lhes fora dada, as novas amigas gostaram da idéia de conhecer outros alunos enquanto jogavam conversa fora e bebiam algumas cervejas. As aulas haviam começado no auge do verão, o que fazia daquelas noites de estudo, um verdadeiro martírio.
Ao longo das primeiras semanas, as duas já pareciam grandes amigas de infância e durante as aulas passaram a tecer comentários sobre seus colegas de classe. Ambas tinham imaginação fértil e não demorou para que um aluno acabasse virando alvo de sua atenção.
- Dê, você notou como aquele Maurício é esquisito?
- Na verdade só tinha achado ele meio chato. Sempre tem posições tão inflexíveis nos debates.
- Dá uma olhada nas botas dele! Você assistiu aquele filme, “A morte pede carona”?
- Hahaha! Não assisti, mas realmente, aquelas botas são meio sinistras. Ainda mais neste calor!
- É menina, ele deve ser coveiro ou coisa parecida.
As duas acabaram rindo tão alto que o professor de Sociologia as notou e fez questão de que partilhassem seus pontos de vista com o restante da classe, esperando que ficassem constrangidas, mas Denise acabou fazendo uma observação pertinente à discussão em pauta.
Maurício, por sua vez, era um aluno mais velho, casado e com dois filhos. Era responsável pelo jornal da Ong ecológica onde trabalhava, mas como sua formação era em biologia, resolveu então cursar Jornalismo. Suas opiniões durante as aulas revelavam uma personalidade austera e intolerante quando o assunto era o descaso dos jovens por Ecologia e Política. Na maior parte do tempo, permanecia calado, com uma expressão de cansaço como a de quem trabalha duro para dar conta de todas as responsabilidades que devia ter.
Ainda assim, Célia e Denise passaram a reparar cada vez mais naquele aluno misterioso e teorizavam, sobre o ele fazia fora da sala de aula.
- Célia, olha! Olha a maleta que o Maurício trouxe hoje!
- Nossa! Que maleta enorme. O que será que tem lá dentro?
- Aposto que tem um corpo! Ele cortou alguém em pedaços e vai enterrar! Ai meu Deus! Ele é um assassino!
- Calma, Cé! Não deve ser nada de mais. Vamos perguntar a ele.
- Você está louca? E se ele for um assassino? O “Assassino da maleta”! Se perguntármos, ele nos mata!
- Hummm... Já sei! Vamos segui-lo após a aula.
- Ah, não sei. Vai que ele perceba.
- Não irá. Serei discreta.
Então, as duas amigas sairam da aula e trataram de não perder o suposto assassino de vista.
Maurício ajeitou a maleta e subiu em sua moto, sem notar que suas colegas o seguiam. Rumava em direção ao centro da cidade que, além das boates de strip-tease e casas de prostituição, era também onde se localizava o maior cemitério da região.
- Não te disse, Denise? Ele ele está indo para o cemitério. De certo, como é coveiro, pode se livrar do corpo sem que ninguém perceba.
- Acho que você está exagerando. Não acha que se houvesse um assassino à solta por aí, os jornais teriam noticiado?
- Às vezes não. De repente, não querem causar pânico à população.
Mal Célia terminara sua frase e Denise soltou um grito seguido de uma freada brusca: Não havia notado o sinal vermelho e quase colidira com um caminhão.
- Droga! O perdemos de vista. – Disse Denise inconformada.
- Não perdemos não! Olha ele ali! – Célia apontava para um motoqueiro a uns metros de distância.
- Tem certeza? Eu sou meio míope e estou sem meus óculos.
Então, quando se aproximaram, notaram que aquele não era o assassino que perseguiam.
- Não esquenta, Célia. Tentamos novamente amanhã.
- Ao menos agora temos certeza de que ele seguia para o cemitério.
- Ainda não temos certeza de nada, Cé! Até onde sabemos, ele poderia estar simplesmente cortando caminho para casa.
- Ahan... Para mim é bem outra coisa que ele anda cortando.
Nos dias que seguiram após a perseguição quase fatal, a ausência de Maurício fora notada pelas duas amigas, o que só fez sua curiosidade aumentar ainda mais.
Quando finalmente Maurício voltou às aulas, alguns dias depois do ocorrido, parecia ainda mais cansado e desta vez, além das botas e da maleta, havia alguma coisa mais estranha a seu respeito: ele parecia estar salpicado de purpurina rosa!
- Denise, ele matou novamente e agora posso afirmar que foi uma mulher! Não teve nem a decência de tomar um banho antes de vir para cá! Acho que devemos avisar a polícia.
- Não vamos fazer nada até ter absoluta certeza do que está acontecendo.
E tão logo a aula terminou, as duas rapidamente se puseram a seguir Maurício que parecia ter pressa naquela noite. Conseguiram segui-lo de perto até o centro da cidade, onde estacionaram e fizeram uma parte do percurso a pé.
- Anda Célia! Iremos perdê-lo se continuar nessa velocidade.
- Ai, calma! Eu estou de salto! Malditos saltos plataforma! Vou acabar caindo aqui nessa buraqueira. E também não quero que ele nos veja.
- Tudo bem, mas tenta andar mais rápido. Opa! Para, para! Olha ele ali, conversando com aquela mulher na porta da boate.
- Essa não! Deve ser sua próxima vítima. Se não fizermos algo agora, ela estará em pedaços em breve.
- Vamos chegar mais perto e tentar ouvir o que estão dizendo.
As duas se esconderam atrás de um carro, mas conseguiram chegar perto o suficiente para ouvir uma parte da conversa entre Maurício e a mulher.
- Sim, sim! São mesmo de matar – dizia Maurício ao som das gargalhadas da mulher que devido à pouca roupa que usava, entregava que deveria trabalhar na boate de strip-tease.
- Ai, Mau-Mau! Você é mesmo uma comédia. Nos vemos depois do show então, certo?
- Claro, xuxu! Estarei esperando para saber sua opinião sobre o que conversamos.
Impossível saber quem estava mais descrente com a conversa, se era Denise ou Célia. As duas simplesmente se entreolharam: - “Xuxu”???
- Nossa, se é com esse papinho que ele consegue suas vítimas, ele não deve matar muita gente. – Comentou Denise ainda não acreditando que aquele homem de expressões tão duras estava tão à vontade conversando com uma dançarina de boate.
- Agora teremos que entrar e ver onde isso vai dar! Devíamos ao menos deixar a polícia de sobreaviso.
- Não existe isso, Célia! Ou temos provas concretas, ou estaremos encrencadas se fizermos uma falsa denúncia.
- Mas e se conseguirmos as provas quando for tarde demais? Não quero ser cúmplice de assassinato! – Àquela altura, Célia já estava com uma voz de choro.
Night club e American Bar” – go go boys e go go girls. Era o que se lia no letreiro do lugar que era um dos mais procurados do pedaço.
As duas entraram na boate tentando ser o mais discretas possível, mas logo foram notadas ao fazerem o maior escândalo quando o go go boy “Mau-Mau” apareceu rebolando no palco, trajando uma fantasia de mecânico que deixava grande parte de seu corpo à mostra.
- Denise, você está vendo o mesmo que eu?
- Não acredito! Aquele é mesmo o Maurício?
- É ele sim... Posso ser míope, mas aquelas botas e aquela maleta são inconfundíveis!
Apesar do estardalhaço, Maurício não havia notado suas colegas no bar da boate e fazia sua performance com a maleta de ferramentas que, ao ser aberta, liberava uma série de serpentinas coloridas e muita purpurina rosa.
Célia e Denise estavam aos risos quando “Mau-Mau” se aproximou nitidamente envergonhado por encontrar suas colegas de classe ali.
- O que fazem aqui?
- Nós o seguimos Maurício. Célia e eu achávamos que você era um assassino.
- Assassino? Estão malucas? De onde tiraram isso? E agora, o que pretendem fazer já que sabem o que realmente faço?
- Em primeiro lugar – disse Célia, já mais calma – devemos nos desculpar por nossa imaginação tão fértil. Em segundo, não contaremos a ninguém que você é gay. Ninguém tem nada a ver com isso.
- Não sou gay. Eu simplesmente faço estas performances porque um amigo meu me indicou e só o que ganho na Ong não estava dando para bancar todas as contas, ainda mais porque minha mulher está grávida novamente.
- Ela sabe sobre este seu outro emprego? – perguntou Denise.
- Sabe sim, mas por razões que vocês devem entender, também não comenta com ninguém. Aliás, ela costuma vir aqui de vez em quando. Nossos filhos não fazem idéia, mas não pretendo dançar por muito tempo.
- Não deveria se envergonhar do que faz! Você dança muito bem.
Tão logo Denise terminou de elogiar a performance de Maurício, os três se juntaram à mulher que estava com ele na frente da boate e conversaram por horas. As amigas malucas explicaram de onde tinham tirado a idéia de que ele fosse o “Assassino da Maleta” e Maurício explicou que quando mencionou anteriormente que “eram mesmo de matar”, se referia às botas que machucavam seus pés.
Após todo o mal-entendido ter sido esclarecido, Denise e Célia passaram a frequentar a boate onde seu mais novo amigo trabalhava. Conheceram sua esposa e passaram a fazer todos os trabalhos da faculdade juntos. No entanto, não demorou muito para as duas acharem uma nova “vítima” para sua imaginação aguçada e logo estavam as duas cheias de teorias sobre uma outra aluna da classe.
(Daniela Marino).

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