quinta-feira, 7 de maio de 2009

Crônica sobre a cidade

Autor: Sergio Teles Fernandes Lopes

Pensar em mar e areia sempre me remete a dias ensolarados do típico verão de nossa cidade. Gente bonita e bronzeada caminhando à beira mar, outros à sombra nas barracas montadas na areia bebericando e jogando conversa fora.

Mas não é só isso: a praia à noite também é bastante convidativa, principalmente se a data é de festa.

“Dia dois de fevereiro
dia de festa no mar
eu quero ser o primeiro
a saudar Iemanjá.’’

Nos versos de Dorival Caymmi, um convite para esse ritual que se realiza nas praias em homenagem à rainha do mar.

Este ano resolvi participar mais ativamente da festa. Comprei calça e camisa brancas e fui a uma loja que vende produtos para umbanda. Na porta, uma imagem grande de “Exu” e uma “Pomba Gira’’ vermelha davam um toque especial ao acanhado comércio. Depois de muito olhar, escolhi um barquinho azul e branco onde iria depositar algumas rosas, um vidro de perfume e um bilhete com meus pedidos para ela. O vendedor tentou até me empurrar umas flores de plástico, no que protestei.

-E Iemanjá é lá mulher que mereça isso?

- Ela liga não, moço.

Nos anos anteriores, ia mais de curioso andar na areia fresquinha da noite, molhar os pés no mar e observar as pessoas e suas oferendas. As baianas em seus trajes típicos imaculadamente brancos rodopiando e estancando bruscamente, balançado os colares e guias com força; os homens com turbantes enfiados na cabeça dando baforadas de charuto e falando em uma língua ininteligível para mim. Tudo remetendo ao místico, misterioso.

A noite da festa, praia lotada e eu firme lá. Sentir de novo a areia fria, fininha nos pés é gostoso. Com a bainha da calça levantada, molhei os pés no mar e entre o oferecimento de um trago e outro da boa cachaça – o que não recusei- fui levando meu barquinho até a beirada do mar. Entrei na água até senti - la na altura dos joelhos e, cuidadosamente, dei um empurrãozinho para meu barquinho vencer a primeira onda. E lá estava ele flutuando com sua preciosa carga e um bilhete escrito com minha melhor caligrafia, como se Iemanjá precisasse de boa letra para entender os milhares de pedidos que flutuavam no bojo daqueles barquinhos.

Por um momento, e apenas por um momento, temi que ele pudesse naufragar. Isso foi na terceira ou quarta ondas – pendeu para um lado, depois pro outro, dando a impressão que ia ao fundo, mas seguiu firme, subiu bem alto na crista da onda e desapareceu por trás dela, sumindo de minha visão.

A meu lado, uma moça ajudada por sua amiga colocava no mar um barco grande que, se comparado aos outros, mais parecia um navio lotado de flores e frascos de perfume. Era uma beleza de encher os olhos. Com uma ajudazinha, venceu as primeiras marolas.

-Olha lá, olha lá...

Alguém gritou apontando para uma onda grande que ia se formando ao longe.

Ninguém ali podia acreditar, mas quando a onda encontrou o naviozinho, o impacto fez com que ele começasse a adernar, dando a impressão que não agüentaria a próxima onda. E foi o que aconteceu. Foi a pique... Flutuou uns poucos metros e...

O que teria ocorrido para a rainha do mar não aceitar aquela bela oferenda? Sabe-se lá.
Com o rosto entre as mãos e olhar fixo, a moça perdeu a expressão. Chegava a seus pés na forma de efêmera espuma a malfadada onda que emborcara seu naviozinho. Abraçou a amiga e chorou.
O meu, bem, o meu, pelo jeito teve aprovação e venceu o desafio das ondas. Reconheço que se ainda não tive todos os pedidos atendidos, alguns já foram e os outros certamente estão muito bem encaminhados. Ano que vem estarei de volta.

Um comentário:

  1. Sergio está muuuuuito bom...adorei.
    Já estou até pensando em comprar um barquinho também e fazer meus pedidos.
    Até...o próximo café.
    Bjs
    Rosi Caobianco

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