quarta-feira, 25 de março de 2009

GATO XADREZ

Sergio Teles Fernandes Lopes
Exercício a partir da frase: Era uma vez um gato xadrez...

Carnaval, feriado prolongado a vista.

Estica daqui, emenda dali e como um jogo de xadrez, consegui um cheque mate: sete dias corridos de folga. Não pensem que foi fácil, tive que contar com a “camaradagem” de um colega de trabalho que se prontificou a me substituir nesses dias. Quando ele precisasse, eu retribuiria o favor!

Fazia tempo que não tirava tantos dias fora das férias só para mim. Decidi aproveitar ao máximo indo para o Interior, para a chácara de meu irmão e assim curtir a natureza e tudo que ela nos traz de bom, como a tranqüilidade, coisa tão difícil nos centros urbanos.

Minha primeira dificuldade: arrumar a mala. O que levar? Eu pouco viajava e já iam bem uns anos que eu não a via. Bem pensado, onde a mala estaria? Remexi meu closet e sob cobertores a encontrei. Vencido esse obstáculo, fui colocando dentro tudo que eu acreditava ser necessário: meias, cuecas, bermudas, etc. Antes que eu esqueça, coloquei um casaco leve, afinal de contas, mesmo estando em pleno verão, a temperatura poderia cair um pouco. Coloquei também produtos para minha higiene pessoal, porém, aparelho de barba nem pensar, deixaria a pele descansar.

Como não poderia deixar de ser na bagagem de um executivo, mesmo de férias, não faltaria meu MP5 e o notebook, meus fiéis companheiros, lembrando, é claro, que ambos são o que há de mais moderno no mercado - meu note é fantástico, me conecta com o mundo mantendo-me informado sobre tudo o que está acontecendo. Como garantia, comprei duas baterias reservas, estando eu livre de qualquer problema de falta de energia que pudesse ocorrer.

Tudo pronto e checado, era hora de partir. Graças ao compromisso firmado na empresa com meu “bem-feitor”, quinta-feira, no primeiro horário, eu já estava na estrada, sentindo-me um privilegiado. Nada de trânsito, eu guiava tranqüilo só imaginando como a estrada estaria na sexta-feira, véspera do Carnaval, certamente caótica.

Antes do meio-dia, já guardava meu carro na garagem de onde só o tiraria dali uma semana. Desci do carro, estiquei as pernas e os braços num alongamento perfeito! Aspirei com vontade aquele cheiro de grama cortada, inflando meus pulmões com o ar puro, típico do interior. Que delicia!

Abraços e beijinhos, instalei-me no quarto. Joguei a mala sobre a cama e fui logo procurando uma tomada para ligar meu computador e me atualizar sobre os últimos acontecimentos.
- Paulo, Paulo... – era minha cunhada chamando – Vem tomar um cafezinho passado agora.
Café e pão de queijo. Quer combinação melhor depois de uma estrada?

Batemos um papo rápido e voltei logo ao quarto pra colocar uma sunga e curtir a piscina, mas não sem antes dar uma nova espiadinha, vai que chegou algum e-mail.

Novamente fui interrompido...

- Você não vem? O sol tá gostoso...
- Já estou indo! Respondi meio que invocado.

E assim, quando dei por mim, já eram três da tarde e o almoço ia ser servido. Sabe como é, uma noticia aqui, uma informação ali, a bolsa, a crise econômica...

E assim foram meus dias até sábado, não diferentes dos vividos na metrópole. Ficava vidrado na tela do meu notebook e minhas frases, melhor ainda, minha frase, tornou-se um jargão – Já estou indo, só mais um pouquinho. Minha cunhada já havia desistido.

No domingo, o dia amanheceu radiante e após um café reforçado, o pessoal da casa foi dar uma caminhada em um parque próximo, como de costume.

- Vamos também, Paulo?
- Já estou indo... Alcanço vocês.

Mal saíram e eu já estava sentado à frente do computador. Abri meus e-mails, começando primeiro com os do trabalho, onde meu “bem feitor” avisava que tudo correra bem. Depois, os dos amigos, como sempre com muitas correntes, mensagens, ofertas, propagandas, uma coisa ou outra. Entre eles, um chamou-me a atenção. No assunto, o titulo “gato xadrez” vindo de um endereço conhecido que fui logo abrindo.

Na tela apareceu o desenho de um gato gordo com o pelo xadrez em preto e branco lembrando um tabuleiro, não é que o danado era simpático? Com um sorriso cínico, ele piscava o olho esquerdo, levando-me a rir. Porém, meu sorriso logo foi desaparecendo ao observar que cada quadradinho do xadrez de seu pelo começava a escorregar pelos lados da tela até que ele sumiu totalmente, dando lugar à mensagem: Não fique triste, afinal gato xadrez não existe.

Um frio correu minha espinha e quase fui tomado de pânico ao descobrir que a memória de meu computador tinha sido destruída - minha sorte é que, como bom internauta, sempre faço back-up. O gato xadrez não era nada mais nada menos do que um vírus novo, poderoso.

E lá estava eu, naquele lugar, sem computador, sem conexão com o mundo.

Meus familiares, ao voltarem da caminhada, se depararam comigo de mau humor mas, conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo das fofocas de família num descontraído bate papo. Quando minha cunhada anunciou o almoço, eu já estava mais conformado. Para surpresa de todos e sem que eu precisasse ser chamado, já estava me refrescando na piscina, olhando as montanhas à volta e respirando aquele ar puro, inconfundível.

À noite pude observar o céu. Que maravilha, era incomparável, parecia um tapete de estrelas que só podiam ser vistas lá no Interior, pois o manto da poluição e iluminação das grandes cidades esconde esta maravilha.

E assim seguiram os dias.

Aproveitei para ler o livro que ganhei no Natal e que ainda estava no embrulho da livraria. Pouco antes de retornar à cidade, eu era outro. Sentia-me mais leve, integrado àquela paisagem, à natureza, estava renovado! Indiretamente, o que a principio me parecia ser o caos, havia se tornado um beneficio, afinal, o gato xadrez, pelo menos naqueles dias, permitiu-me estar mais ligado à minha família. Hoje agradeço ao gato xadrez que, embora não existindo, fez com que eu redescobrisse a existência de coisas mais importantes do que um computador ou a rede como, por exemplo, minha família!
,

Um comentário:

  1. Quantos se distanciam, enclausuram-se e o pior, achando que se aproximam e se libertam nesta frenética, navegação. Preocupa-me, se não estão apenas, adquirindo duvidosa e pseudo-cultura e formando um grupo de alienados que não se tocam e não olham nos olhos. Seria de bom grado que, com alguma regularidade, aparecesse o gato xadrez, não só para o Paulo.

    Parabéns, Serginho.

    Gilberto.

    ResponderExcluir