quarta-feira, 4 de novembro de 2009

CONVERSA DE BAR

Barbara Fernandes Ferreira

- Uma cerveja estupidamente gelada...
Enquanto o garçom se afasta para atender o meu pedido, olho ao redor do bar quase vazio àquela hora. Além de mim, apenas os empregados do bar. Mas é melhor assim, meu anonimato está garantido. Não quero conversa, nem brincadeira, nem mesmo bebedeira. Um pouco de solidão, só isso.
O rapaz relanceou o olhar pelo bar e, na sua angústia, deu um longo suspiro, enterrando a cabeça nas mãos. Não conseguia atinar com nenhum outro lugar onde pudesse ficar assim, tão concentrado em si, sem ninguém para lhe perguntar porquês ou mesmo oferecer-se para auxiliá-lo. Queria apenas remoer todos os fatos, desde o princípio, e questionar-se, ainda mais uma vez: “Em que ponto eu errei?”.
Os garçons, já habituados a ver entrarem no bar clientes em estados emocionais pouco equilibrados, não se abalaram pela presença do rapaz; apenas, como era costume, passaram a observá-lo sorrateiramente, a fim de evitar qualquer situação constrangedora, comum em casos como aquele aparentava ser. No entanto, o jovem não pretendia se expor e o garçom teve que tomar a iniciativa de perguntar qual seria seu pedido, visto que o rapaz tardava em fazê-lo. Cada vez mais fechado, ele murmurou a última frase que o empregado do bar lhe dissera em tom de gracejo, como se mesmo ali houvesse alguém disposto a tentar socorrê-lo: - Uma cerveja estupidamente gelada... E teve um riso nervoso. Mergulhou novamente nos próprios pensamentos, como se fosse realmente impossível lembrar-se de alguém que não ele mesmo e mais outras duas pessoas, cuja recordação lhe inspirava os mais baixos sentimentos.
Que sensação! É como sentir a vida murchar, ficar ressequida, morrer. Antes, nada estava como está agora. Mudou, mudou tudo! E tão de repente... Quando realmente dei por mim, já estava envolvido nesse turbilhão de acontecimentos. E nada mais será como era há pouco tempo atrás... Talvez fosse melhor não ter querido subir tão alto para não sentir tão vertiginosa a queda. Um emprego conquistado, um casamento feliz, que ainda respirava seus anos mais verdes... Mas de um e de outro sairiam meus dois traidores... Como é possível? Perdi muito, muito; se pudesse, gritaria isso para o mundo, ordenaria que a justiça fosse feita para aqueles dois que construíram a felicidade em cima da minha desgraça, dentro da minha própria casa! Isso chega a me causar até uma pressão no peito, acho que vou passar mal. Melhor parar um pouco. Calma, o tempo da vingança virá. Não dizem que é um prato que se come frio? Pois é, quando menos esperarem, vou fazê-los pagar por tudo, sem dó nenhuma. Não tiveram dó de mim, não vou ter dó deles.
Ah! Agora não sou só eu aqui, acabou de entrar uma moça. Que será que ela quer? Pediu uma cerveja, sentou sozinha, está um pouco cambaleante. O que terá acontecido? Está bem vestida, penteada, maquiada. Provavelmente trabalha fora e tem de estar apresentável. Como desconfiei, está nervosa sim. De onde estou ela conseguiria me ver, mas está absorta demais em seus pensamentos para notar em mim. A respiração dela está um pouco ofegante, os gestos inquietos, mas sobretudo os olhos revelam tudo. Ela volveu o olhar pelo bar e pelas poucas pessoas aqui presentes, mas parece que não viu nada nem ninguém. Está ensimesmada. Que terá acontecido?
Se alguém olhasse para mim, adivinharia o que estou passando? Estamos no mesmo estado? E ela? Terá sido a morte de alguém ou alguma traição sórdida? Parece que vai começar a chorar baixinho. E se eu fosse até lá? Sentaria ao lado dela e diria: por favor, moça, ouça minha história, compartilhe minha dor, nem precisa me dizer seu nome. Depois, me conte a sua, eu a ajudo como puder. Talvez a gente pudesse combinar a vingança juntos, não tem algum filme com um enredo parecido? Provavelmente sim, acho que todos os dramas possíveis já passaram pelo cinema. Porque não vou até lá?
Ela começou mesmo a chorar bem fininho. Se me achar impertinente, não faz mal, o que me faria mais mal do que o que estou passando agora? Eu gostaria que alguém sentasse ao meu lado e me dissesse: o que houve? Porque ela não gostaria? Ou pode estar arrependida, será que fez mal a alguém? Ah! deixa para lá. Cada um vive sua dor e pronto. Deixa ela quieta lá e eu aqui. Eu não conseguiria fazer nada mesmo por ela, nem ela por mim.”
O rapaz desviou os olhos da desconhecida e passou a olhar para o copo, novamente mergulhado em seus próprios pensamentos. Depois de minutos assim concentrado, ergueu a cabeça e deu com os olhos dela em si. Ambos trocaram um olhar de cumplicidade, como se a moça tivesse tido os mesmos pensamentos e aguardasse que ele a visse. Instintivamente trocaram um sorriso triste e o rapaz não mais hesitou: ergueu-se, tomou o copo nas mãos e aproximou-se, pois sentia que somente ela, companheira de dor, poderia compreendê-lo integralmente; e somente ele, no auge de seu sofrimento íntimo, poderia oferecer a ela um ombro amigo, para chorar e chorar.

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