quarta-feira, 31 de março de 2010

DEUS É JUSTO

(conto com as palavras: jibóia, Afeganistão, penumbra, papo de anjo, contra-senso, álibi, sacrilégio, destilar).

Que eu não cometa nenhum sacrilégio ao tentar fazer das palavras o itinerário da minha chegada do Afeganistão à fazenda de meu avô.
O dia estava morrento! Calor à beça. Poeira, quanta poeira
Durante todo o trajeto até a porteira, o pó teimava em pairar na paisagem. Isso pelos menos ajustou um colorido à parte na linha do horizonte, na hora do sol poente.
A família me esperava reunida. Tinham caprichado na recepção dessa ilustre figura que vinha de longe. Contavam-se sobre a mesa todos os meus gostos mais recônditos da gastronomia, a torta de limão, receita de minha avó, até os papos de anjo bem feitinhos, mergulhados na calda cheirosa de caramelo com canela. Hum que delícia!
Vinha pelo trajeto pensando nisso; que gostoso voltar, que saudade!
Quando Tião estacionou o carro que nos transportou do aeroporto até ali, parou sob o frescor das árvores, abri a carro e ao colocar um pé para fora, eis que tomei uma picada! A danada estava ali, na espreita de um pé. Foi o meu...
Corre corre geral.
Eu gritava de dor, e que dor.
Logo veio Tião a laçar em torniquete minha perna para estancar a passagem do sangue. Pauladas acabaram com a tal da jibóia. Nesse instante destilei através do que via um sabor de vingança.
Fui levada para dentro de casa, não podia me mover, não devia, se me mexesse, espalhava o veneno. Me deram uma cachaça. Tomei. Bebi mais um pouquinho...
Logo estava numa penumbra, entre a picada da cobra, o pó da estrada, papos de anjo, Afeganistão e uma gritaria confusa.
Todos os itens dentro de mim criavam um sentido estranho de realidade. O veneno me alterou.
Dormi algumas horas até que Dr. Augusto chegou. Enquanto isso a festa fora suspensa, Aguardando que tudo se alinhasse, aliviasse, para podermos finalmente nos abraçarmos calorosamente.
Quando sarei, decidi que não era contra senso, não era pecado jogar na alminha daquela cobra, fiz o jogo do bicho.
Não deu outra!
Deu cobra!
Ganhei!
(Anita Bueno de Araujo).

Um comentário:

  1. Como a jibóia não é venenosa uma adaptação seria interessante. Mudaria tb o titulo , por não ver justiça em matar o animal e ainda ganhar no numero dele. Bom humor nesse conto .

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