segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ESCREVENDO HISTÓRIAS DA CAROCHINHA

VIVIANE ALMEIDA
(Construção de crônica/ conto com a inserção das seguintes palavras: CARTUCHO, COTONETE, CAROCHINHA, CONFISSÃO)

Por que? Todos os dias me pergunto. Levanto, deito, ando entre um e outro... mas a pergunta não me larga. Espreita em todos os cantos. Tem coisas que nem a morte é capaz de apagar. Morte física ou psicológica. Não interessa, o cadáver continua em corpo presente.

Era um dia normal. Daqueles que existem em grande quantidade na vida de um ser humano, mediamente qualificado, mediamente informado. Vivido no médio.

Café tomado, passei na farmácia mais perto de casa para comprar um cartucho de cotonetes. Parecia que adivinhava que teria que ter meus ouvidos bem abertos. Reclamei do preço, respondi aos comentários de ocasião da fila. As pessoas adoram conversar em filas com pessoas que não conhecem. Acho que gostam de conversar com estranhos, uma espécie de “adultério mental”.

Minha mãe repetia inúmeras vezes: “Meu filho, não fale com estranhos”, “Meu filho, não aceite nada de ninguém”. Deve ser por isso que casei com a minha prima. Ela não era propriamente uma estranha e não era ninguém. Era linda, e minha prima.

Quando começamos a namorar, naturalmente escondido, fizemos muitas promessas e até pacto de sangue. Para falar a verdade, meio sangue, porque eu desmaiei na hora. Até hoje não suporto ver ou senti-lo. Minha mãe queria que eu fosse médico, mas a inabilidade com plasma e seus derivados foi um impeditivo. Gostava de histórias.

As da carochinha, as de reis e rainhas, principalmente as com um final feliz. Choro quando vejo filmes românticos e não consigo torcer para o bandido da história, apesar da simpatia de gênero pela masculinidade.

Marquei a data do meu casamento na véspera de Natal. Completáva-mos cinco anos de namoro. Família toda reunida. A minha família, a dela, ou para simplificar, a nossa. É a vantagem de casamento entre primos.


O casamento correu na tranqüilidade. Mães chorando, maquiagem escorrendo, dama de honra indisciplinada. Ela estava linda. Toda de branco. Pensei em desmaiar. Gosto de desmaiar. Acho que confere emoção à ocasião. E sempre há a desculpa da pressão e do calor. Era dezembro. Um ano depois do noivado. Rio de Janeiro. Nem as flores de laranjeira agüentaram.

Não desmaiei quando nosso primeiro filho nasceu. Uma menina. Guardei na gaveta o uniforme completo do Botafogo. “A culpa - disse um camarada meu - é da combinação”. Qual combinação? – perguntei eu. Ele respondeu - “do x e y”.

Ah! sexo de filho, então, agora é matemática. E eu que pensei que Deus tinha alguma coisa e ver com isso.

Comecei a me sentir diferente. Meio estranho. Não sabia explicar. Foi aos poucos. Como medicamento homeopático, mas esse acentuou os sintomas.

Sabe aquele sentimento, aquela angústia? Tentei várias vezes conversar com ela. A prima, que depois de todos esses anos parecia mais irmã - uma ligeira mudança na árvore genealógica da família.

Ela não queria ouvir. Andava envolvida com os cursos de meditação. Dizia que é para aprender o desapego. Aí pergunto, se era para desapegar, para que tanta ginástica, dermatologista, inglês e tudo o resto que nem sei do que se tratava. Estava começando a achar que o único apego para ela se livrar tem nome: o meu.

Nem isso ela quis. Preferiu manter o nome de solteira. Confesso que fiquei decepcionado, mas noiva pode tudo. Noivo só usa uma flor na lapela. Ela tem a igreja inteira.

Nem sei porque estou lembrando de tudo isso hoje. Faz tanto tempo. Deve ser porque abri a gaveta e encontrei o uniforme do Botafogo.

Estou tentando reunir os detalhes daquele dia, depois que comprei o cartucho de cotonetes e saí da farmácia.

Ainda está tudo muito confuso. Lembrei da minha mãe dizendo para não falar com estranhos. Falei com muitos estranhos na fila, naquele dia. Será por isso? Talvez, não. Ou será porque faltei na confissão antes do casamento? O Botafogo jogava no Maracanã. Tinha que ir. Fiz umas orações às pressas, pedi perdão pelo ato e pela omissão. A verdade é que o Botafogo perdeu.

Também sempre ouvi dizer que criança que não é batizada, não tem sorte na vida. Vira herege. Eu fui batizado, mas nunca soube de nenhum caso em que a que falta de confissão fosse responsável por isso.

Hoje já me perguntei, amanhã sei que vou voltar a perguntar. Não tenho pressa para descobrir o que foi que aconteceu.

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